Caravana da Fraternidade

Caravana da Fraternidade
Francisco Spinelli

sexta-feira, 29 de abril de 2011

Reuniões Espiritas. Mediunicas


Mas, assim como há raios sonoros harmônicos ou discordantes, também há pensamentos harmônicos ou discordantes. Se o
conjunto for harmônico, a impressão será agradável, se for discordante, a impressão será penosa. Ora, para isso não é preciso que o pensamento seja formulado em palavras; a radiação fluídica não existe menos, seja ou não expressa, se todas forem benevolentes, todos os assistentes experimentarão um verdadeiro bem estar e sentir-se-ão à vontade, mas, se misturarem alguns pensamentos maus, produzem o efeito de uma corrente de ar gelado num meio tépido.
Tal é a causa do sentimento de satisfação que se experimenta, numa reunião simpática; aí como que reina uma
A comunhão de pensamentos produz assim, uma espécie de efeito físico que reage sobre o moral; é o que só o Espiritismo poderia dar a compreender. O homem o sente instintivamente, desde que procure as reuniões onde sabe que encontra essa comunhão.
Nas reuniões homogêneas e simpáticas, adquire novas forças morais, poder-se-ia dizer que aí recupera as perdas fluídicas que tem diariamente pela radiação do pensamento, como recupera pelos alimentos as perdas do corpo material.
A esses efeitos da comunhão dos pensamentos junta-se um outro que é a sua conseqüência natural, o que importa não perder de
vista: é o poder que adquire o pensamento ou a vontade, conjunto de pensamentos ou vontades reunidas. Sendo a vontade uma força
ativa, esta força é multiplicada pelo número de vontades idênticas como a força muscular é multiplicada pelo número dos braços.
Assim, pela comunhão de pensamentos os homens se assistem entre si, e ao mesmo tempo assistem os Espíritos ou são por
estes assistidos. As relações entre o mundo visível e o mundo invisível não são mais individuais, são coletivas e, por isso mesmo,
mais poderosas para o proveito das massas, como para, o dos indivíduos. Numa palavra, estabelece a solidariedade, que é a base da fraternidade.[...]
Certamente, não era assim que o entendia Jesus quando disse: “Quando estiverdes diversos reunidos em meu nome, estarei
no meio de vós.” Reunidos em meu nome, quer dizer, com um pensamento comum; mas não se pode estar reunidos em nome
de Jesus sem assimilar os seus princípios, a sua doutrina. Ora, qual é o princípio fundamental da doutrina de Jesus? A caridade em
pensamentos, palavras e obras.”
atmosfera moral salubre, onde se respira à vontade; daí se sai reconfortado porque se ficou impregnado de eflúvios fluídicos salutares. Assim se explica também, ansiedade, o mal estar indefinível que se sente num meio antipático, em que pensamentos malévolos provocam, por assim dizer, correntes fluídicas malsãs.Allan Kardec - Revista Espírita, dez. 1868, vol. 12, p. 352-355.
G.T.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

A vista espiritual ou dupla vista

01- A alma é imortal - Gabriel Dellane - pág. 63
A vista espiritual ou dupla vista
A vista espiritual vulgarmente chamada dupla vista ou segunda vista, lucidez, clarividência, ou, enfim, telestesia e, agora, criptestesia, é um fenômeno menos raro do que geralmente se Imagina. Muitas pessoas são dotadas dessa faculdade, sem o suspeitarem; apenas o que há é que ela se acha mais ou menos desenvolvida. Facilmente se pode verificar que é estranha aos órgãos da visão, pois que se exerce, sem o concurso dos olhos, durante o sonambulismo natural ou provocado. Existe nalgumas pessoas no mais perfeito estado normal, sem o menor vestígio aparente de sono ou de estado extático. Eis o que a respeito diz Allan Kardec:

"Conhecemos em Paris uma senhora em quem a vista espiritual é permanente e tão natural quanto a vista ordinária. Ela vê sem esforço e sem concentração o caráter, os hábitos, os antecedentes de qualquer pessoa que se lhe aproxime; descreve as enfermidades e prescreve tratamentos eficazes, com mais facilidade do que muitos sonâmbulos ordinários. Basta-lhe pensar numa pessoa ausente, para que a veja e designe. Estávamos um dia em sua casa e vimos passar pela rua alguém das nossas relações e que ela jamais vira. Sem ser provocada por 'qualquer pergunta, fez dessa pessoa o mais fiel retrato moral e nos deu a seu respeito opiniões muito ponderadas.

"Contudo, essa senhora não é sonâmbula; fala do que vê, como falaria de qualquer outra coisa, sem se distrair das suas ocupações.
E' médium? Não o sabe, pois, até há bem pouco tempo, nem de nome conhecia o Espiritismo."Podemos aditar ao do Mestre o nosso testemunho. Há uma vintena de anos, demo-nos com uma Sr.a Bardeau, que gozava dessa faculdade. Descrevia personagens que viviam na província, muito longe, ao Sul, personagens que ela nunca vira e de cujos caracteres, no entanto, apresentava circunstanciados pormenores. Conservava-se, todavia, no estado ordinário, com os olhos bem abertos, conversando sobre outros assuntos, interrompendo-se de quando em quando para acrescentar alguns traços que completavam a fisionomia ou o caráter das pessoas ausentes.
Hoje, ainda conhecemos uma parteira, Sr.a Renardat, que pode ver a distância, sem estar adormecida. Tivemos disso prova inegável, porquanto descreveu com fidelidade um dos nossos tios, residente em Gray, indicou uma enfermidade que ele tinha e que os médicos ignoravam e lhe predisse a morte, sem jamais o haver conhecido. Essa senhora vê os Espíritos, como vê os vivos. Muitas ocasiões tivemos de convencer-nos, pelas afirmações dos nossos amigos, de que ela entretinha relações com almas que haviam deixado a Terra, pois fazia delas retratos muito semelhantes e a linguagem que lhes atribuía lembrava a de que usavam durante a vida terrena.
Desde há quinze anos, temos tido numerosas oportunidades de estudar a mediunidade vidente, que nem sempre se manifesta com esse cunho de constância que se nota nas narrativas acima. As mais das vezes, é fugitiva, temporária, mas, mesmo assim, nos faculta a certeza de que a crença na imortalidade não é vã ilusão do nosso espírito prevenido e sim uma realidade grandiosa, consoladora e sobejamente demonstrada.
Aliás, vamos citar bom número de experiências que demonstram ser objetiva a visão dos Espíritos, porquanto esta coincide, explicando-as, com fenômenos físicos que nos caem sob a percepção dos sentidos materiais e que toda gente pode verificar.Quando uma mesa se move e um médium vidente descreve o Espírito que sobre ela atua; quando esse médium chega a anunciar o que o Espirito vai dizer por intermédio do móvel, é despropositado imaginar-se que ele não veja realmente, uma vez que a sua predição se realiza e o Espírito dá testemunho de sua presença, exercendo ação sobre a matéria. Se quisermos refletir que, há cinquenta anos, no mundo inteiro se procede continuamente a pesquisas espíritas; que elas se processam nos mais diversos meios; que foram fiscalizadas milhares de vezes por investigadores pertencentes às classes sociais mais instruídas e, por conseguinte, menos crédulas, forçoso será considerarmos absurdo supor-se não sejam os Espíritos que produzam tais fenômenos.
É, pois, por meio de incessantes comunicações com o mundo invisível, por meio de ininterruptas relações com os habitantes do espaço, que chegamos a adquirir conhecimentos certos sobre as condições da vida de além-túmulo. Lembremo-nos de que existem mais de duzentos jornais publicados em todas as línguas que se falam no globo, que cada um prossegue isoladamente em seus trabalhos e que, malgrado a essa prodigiosa diversidade quanto às fontes de informações, o ensino geral é o mesmo, em suas partes fundamentais. Há-se de convir em que semelhante acordo é bem de molde a servir de fundamento à convicção que se gerou em cada experimentador, depois de haver estudado por si mesmo. Exponhamos, conseguintemente, sem cessar, os resultados obtidos; não nos cansemos de colocar sob as vistas do público os documentos que possuirmos e, talvez lentamente, mas com segurança, chegaremos a conseguir que penetrem nas massas estes conhecimentos indispensáveis ao progresso e à felicidade delas.

O envoltório da alma fez objeto de perseverantes estudos da parte de Allan Kardec. Ele próprio confessa que, antes de conhecer o Espiritismo, não tinha idéias especiais sobre tal assunto. Foram seus colóquios com os Espíritos que lhe deram a conhecer o corpo fluídico e lhe proporcionaram compreender o papel e a utilidade desse corpo. Concitamos os que queiram conhecer a gênese dessa descoberta a ler a Revue Spirite, de 1858 a 1869. Verão como, pouco a pouco, se foram reunindo os ensinamentos a respeito, de maneira a constituir-se uma teoria racional que explica todos os fatos, com impecável lógica.

Não podendo estender-nos demasiado sobre este ponto, limitar-nos-emos a citar uma evocação, que poderá servir de modelo a todos os investigadores que desejem verificar por si mesmos estes ensinamentos. Evocação do Doutor Glas. As perguntas eram feitas por Allan Kardec, sendo dadas pelo médium escrevente as respostas.
"P. — Fazes alguma distinção entre o teu espírito e o teu perispírito? Que diferença estabeleces entre essas duas coisas?
R. — Penso, pois que sou e tenho uma alma, como disse um filósofo. A tal respeito, nada mais sei do que ele. Quanto ao perispírito, é, como sabes, uma forma fluídica e natural. Procurar, porém, a alma é querer achar o absoluto espiritual.
P. — Crês que a faculdade de pensar reside no perispírito? Numa palavra: que alma e perispírito são uma e mesma coisa?
R. — É exatamente como se me perguntasses se o pensamento reside no nosso corpo. Um é visto, o outro se sente e concebe.
P. — Não és, então, um ser vago e indefinido, mas um ser limitado e circunscrito?
R. — Limitado, sim, porém, rápido como o pensamento.
P. — Peço determines o lugar onde aqui te achas.
R. — À tua esquerda e à direita do médium.
Nota — Allan Kardec se coloca exatamente no lugar indicado pelo Espírito.

P. — Foste obrigado a deixar o teu lugar para mo ceder?
R. — Absolutamente. Nós passamos através de tudo, como tudo passa através de nós; é o corpo espiritual.
P. — Estou, portanto, colocado em ti ?
R. — Sim.
P. — Mas, como é que não te sinto?
R. — Porque os fluidos que compõem o perispírito são muito etéreos, não suficientemente materiais para vós outros. Todavia, pela prece, pela vontade, numa palavra, pela fé, podem os fluidos tornar-se mais ponderáveis, mais materiais e sensíveis ao tato, que é o que se dá nas manifestações físicas.

Nota — Suponhamos um raio de luz penetrando num lugar escuro. Podemos atravessá-lo, mergulhar nele, sem lhe alterarmos a forma, nem a natureza. Embora esse raio luminoso seja uma espécie de matéria, tão rarificada se acha esta, que nenhum obstáculo opõe à passagem da matéria mais compacta."
Evidentemente, a melhor maneira de chegar-se a saber se os Espíritos têm um corpo consistia em perguntar-lho. Ora, nunca, desde que se fazem evocações, alguém comprovou que os desencarnados hajam dado uma resposta negativa. Todos afirmam que o envoltório perispirítico é, para eles, tão real, quanto o nosso corpo físico o é para nós. Tem-se, pois, aí um ponto firmado pelo testemunho unânime de todos os que hão sido interrogados, o que explica e confirma as visões dos sonâmbulos e dos médiuns. Chegamos assim a uma ordem de testemunhos que fazem ressalte das concepções puramente filosóficas o perispírito, atribuindo-lhe existência positiva.
02 - A Gênese - Allan Kardec - cap. XIV, XV
22. O perispírito é o traço de união entre a vida corpórea e a vida espiritual: é por ele que o Espírito encarnado está em contínua relação com os Espíritos; é por ele, enfim, que se cumprem, no homem, fenômenos especiais que não têm a sua causa primeira na matéria tangível, e que, por esta razão, parecem sobrenaturais. É nas propriedades e na irradiação do fluido perispiritual que se deve procurar a causa da dupla vista, ou visão espiritual, que se pode também chamar visão psíquica, da qual muitas pessoas estão dotadas, frequentemente com o seu desconhecimento, assim como da visão sonambúlica. O perispírito é o órgão sensitivo do Espírito; é por seu intermédio que o Espirito encarnado tem a percepção das coisas espirituais que escapam aos seus sentidos carnais. Pelos órgãos do corpo, a vista, o ouvido e as diversas sensações estão localizadas e limitadas à percepção das coisas materiais; pelo sentido esçiritual, ou psíquico, elas estão generalizadas; o Espírito vê, ouve e sente por todo o seu ser o que está na esfera de irradiação de seu fluido perispiritual.

Estes fenômenos são, no homem, a manifestação da vida espiritual; é a alma que age fora do organismo. Na dupla vista, ou percepção pelo sentido psíquico, ele não vê pêlos olhos do corpo, se bem que, frequentemente, por hábito, os dirija para o ponto sobre o qual leva a sua atenção; vê pêlos olhos da alma, e a prova disto é que vê tudo tão bem com os olhos fechados, e além do alcance de seu raio visual; ele lê o pensamento representado figuradamente no raio fluídico.

23.- Embora, durante a vida, o Espírito esteja preso ao corpo pelo perispírito, ele não é de tal modo escravo que não possa alongar o seu laço e se transportar ao longe, seja na Terra, seja sobre qualquer ponto do espaço. O Espírito não está senão com pesar ligado ao seu corpo, porque a sua vida normal é a liberdade, ao passo que a vida corpórea é a do servo preso à gleba. O Espírito é, pois, feliz por deixar o seu corpo, como o pássaro deixa a sua gaiola; ele agarra todas as ocasiões para dele se libertar, e se aproveita, por isto, de todos os instantes em que a sua presença não é necessária à vida de relação. É o fenômeno designado sob o nome de emancipação da alma; sempre ocorre no sono; todas as vezes que o corpo repousa, e que os sentidos estão em inativi-dade, o Espírito se desliga. (O Livro dos Espíritos, cap.VIII). Nestes momentos, o Espírito vive da vida espiritual, ao passo que o corpo não vive senão da vida vegetativa; ele está em parte no estado que estará depois da morte; percorre o espaço, conversa com os seus amigos e outros Espíritos livres, ou encarnados como ele.

O laço fluídico que o retém ao corpo não está definitivamente rompido senão na morte; a separação completa não ocorre senão pela extinção absoluta da atividade do princípio vital. Tanto que o corpo viva, a qualquer distância que esteja, o Espírito para ele é instantaneamente chamado, desde que a sua presença seja necessária; ele, então, retoma o curso de sua vida exterior de relação. Por vezes, ao despertar, conserva uma lembrança de suas peregrinações, uma imagem mais ou menos precisa, que constitui o sonho; dele traz, em todos os casos, intuições que lhe sugerem idéias e pensamentos novos, e justificam o provérbio: A noite traz conselho.Assim se explicam igualmente certos fenômenos característicos do sonambulismo natural e magnético, da catalepsia, da letargia, do êxtase, etc. e que não são outras do que as manifestações da vida espiritual.

24. - Uma vez que a visão espiritual não se efetua pelos olhos do corpo, é que a percepção das coisas não ocorre pela luz comum: com efeito, a luz material está feita para o mundo material; para o mundo espiritual existe uma luz especial cuja natureza nos é desconhecida, mas que, sem dúvida, é uma das propriedades do fluido etéreo impressionando as percepções visuais da alma. Há, pois, a luz material e a luz espiritual. A primeira tem focos circunscritos nos corpos luminosos; a segunda tem seu foco por toda a parte: e a razão pela qual não há obstáculos para a visão espiritual; ela não se detém nem pela distância, nem pela opacidade da matéria; a obscuridade não existe para ela. O mundo espiritual é, pois, iluminado pela luz espiritual, que tem seus efeitos próprios, como o mundo material é iluminado pela luz solar.

25. - A alma, envolvida pelo seu perispírito, carrega assim nela seu princípio luminoso; penetrando a matéria, em virtude de sua essência etérea, não há corpos opacos para a sua visão. Entretanto, a visão espiritual não tem nem a mesma extensão, nem a mesma penetração em todos os Espíritos; só os puros Espíritos a possuem em todo o seu poder; nos Espíritos inferiores, ela é enfraquecida pela grosseria relativa do perispírito, que se interpõe como uma espécie de névoa. Ela se manifesta em diferentes graus nos Espíritos encarnados pelo fenômeno da segunda vista, seja no sonambulismo natural ou magnético, seja no estado de vigília. Segundo o grau de poder da faculdade, diz-se que a lucidez é mais ou menos grande. E com a ajuda desta faculdade que certas pessoas vêem o interior do organismo e descrevem a causa das doenças.

26. - A visão espiritual dá, pois, percepções especiais que, não tendo por sede os órgãos materiais, se operam em condições diferentes da visão corpórea. Por esta razão, não se podem esperar efeitos idênticos e experimentar pelos mesmos procedimentos. Cumprindo-se fora do organismo, ela tem uma mobilidade que frustra todas as previsões. E necessário estudá-la em seus efeitos e em suas causas, e não por assimilação com a visão comum, que ela não está destinada a suprir, salvo casos excepcionais e que não se poderiam tomar por regra.

27.-A visão espiritual é necessariamente incompleta e imperfeita entre os Espíritos encarnados, e, por consequência, sujeita a aberrações. Tendo a sua sede na própria alma, o estado da alma deve influir sobre as percepções que ela dá. Segundo o grau de seu desenvolvimento, as circunstâncias e o estado moral do indivíduo, ela pode dar, seja no sono, seja no estado de vigília: 1ª a percepção de certos fatos materiais reais, como o conhecimento de acontecimentos que se passam ao longe, os detalhes descritivos de uma localidade, as causas de uma doença, e os remédios convenientes; 2ª a percepção de coisas igualmente reais do mundo espiritual, como a visão dos Espíritos; 3ª imagens fantásticas criadas pela imaginação, análogas às criações fluídicas do pensamento.
Estas criações estão sempre em relação com as disposições morais do Espírito que as cria. É assim que o pensamento de pessoas fortemente imbuídas e preocupadas de certas crenças religiosas lhes apresenta o inferno, suas fornalhas, suas torturas e seus demônios, tal como as sejam figuradas: às vezes, é toda uma epopéia; os pagãos viam o Olimpo e o Tártaro, como os cristãos viam o inferno e o paraíso. Se, ao despertar, ou ao sair do êxtase, essas pessoas conservam uma lembrança precisa de suas visões, elas as tomam por realidades e confirmações de suas crenças, ao passo que isso não é senão um produto de seus próprios pensamentos. Há, pois, uma escolha muito rigorosa a fazer nas visões extáticas, antes de aceitá-las. O remédio para a demasiada credulidade, sob este aspecto, é o estudo das leis que regem o mundo espiritual.

28. - Os sonhos propriamente ditos apresentam as três naturezas de visões descritas acima. É às duas primeiras que pertencem os sonhos de previsões, pressentimentos e advertências; é na terceira, quer dizer, nas criações fluídicas do pensamento que se pode encontrar a causa de certas imagens fantásticas, que nada têm de real com relação à vida material, mas que têm, para o Espírito, uma realidade por vezes tal que o corpo lhe sofre o contra-golpe, e que se tem visto os cabelos embranquecerem sob a impressão de um sonho. Estas criações podem ser provocadas: pelas crenças exaltadas; por lembranças retrospectivas; pêlos gostos, os desejos, as paixões, o medo, os remorsos; pelas preocupações habituais; pelas necessidades do corpo, ou um embaraço nas funções do organismo; enfim, por outros Espíritos, com um fim benevolente ou malévolo, segundo a sua natureza.

10 - O Livro dos Espíritos - Allan Kardec - 2ª parte cap. viii q 447, 455
Vïï—DUPLA VISTA (SEGUNDA VISTA)
447. O fenómeno designado pelo nome de "dupla vista"'" tem relação com o sonho e o sonambulismo?
— Tudo isso não é mais do que uma mesma coisa. Isso a que chamas dupla vista é ainda o Espírito em maior liberdade, embora o corpo não esteja adormecido. A dupla vista é a vista da alma.
448. A dupla vista é permanente?
— A faculdade, sim; o seu exercício, não. Nos mundos menos materiais que o vosso, os Espíritos se desprendem mais facilmente e se põem em comunicação apenas pelo pensamento, sem excluir, entretanto, a linguagem articulada; também a dupla vista é para a maioria uma faculdade permanente; seu estado normal pode ser comparado ao dos vossos sonâmbulos lúcidos, e essa é também a razão por que eles se manifestam a vós mais facilmente do que os encarnados de corpos mais grosseiros.

449. A dupla vista se desenvolve espontaneamente ou pela vontade de quem a possui?
— Na maioria das vezes ela é espontânea, mas a vontade também muitas vezes desempenha um grande papel. Assim, podes tomar por exemplo certas pessoas chamadas leitoras da sorte, algumas das quais possuem essa faculdade, e verás que a vontade as ajuda a entrar no estado de dupla vista e nisso a que chamas visão.
450. A dupla vista é suscetível de se desenvolver pelo exercício?
— Sim, o trabalho sempre conduz ao progresso, e o véu que encobre as coisas se torna transparente.
450-a. Esta faculdade se liga à organização física?
— Por certo, a organização física desempenha o seu papel; há organismos que se mostram refratários.
(1) Kardec usou as duas expressões "Secunda Vista" e "Dupla Vista", com evidente preferência pela primeira. Em português, sendo comum a "dupla vista", demos preferência a esta.

451. De onde vem que a dupla vista pareça hereditária em cenas famílias?
— Similitude de organizações, que se transmite, como as outras qualidades físicas; e depois, desenvolvimento da faculdade, por uma espécie de educação, que também se transmite de um para outro.
452. É verdade que certas circunstâncias desenvolvem a dupla vista?
— A doença, a proximidade de um perigo, urna grande comoção, podem desenvolvê-la. O corpo se encontra às vezes num estado particular, que permite ao Espírito ver o que não podeis ver com os olhos do corpo.
Os tempos de crise e de calamidades, as grandes emoções, todas as causas, enfim, de superexcitação moral provocam às vezes o desenvolvimento da dupla vista. Parece que a Providência nos dá, em presença do perigo, o meio de o conjurar. Todas as seitas e todos os partidos perseguidos oferecem numerosos exemplos a respeito.

453. As pessoas dotadas de dupla vista sempre têm consciência disso?
— Nem sempre; para elas, é coisa inteiramente natural, e muitas dessas pessoas acreditam que, se todos se observassem nesse sentido, perceberiam ser como elas.
454. Poder-se-ia atribuir a uma espécie de dupla vista a perspicácia de certas pessoas que, sem nada terem de extraordinário, julgam as coisas com mais precisão do que as outras?
— E sempre a alma que irradia mais livremente e julga melhor do que sob o véu da matéria.
454-a. Esta f acuidade pode, em certos casos, dar a presciência das coisas?
— Sim; ela dá também os pressentimentos, porque há muitos graus desta faculdade, e o mesmo indivíduo pode ter todos os graus ou não ter mais do que alguns.

VIÏÏ — RESUMO TEÓRICO DO SONAMBULISMO, DO ÊXTASE E DA DUPLA VISTA
455. Os fenômenos do sonambulismo natural se produzem espontaneamente e independem de qualquer causa exterior conhecida; mas, entre algumas pessoas, dotadas de organização especial, podem ser provocados artificialmente, pela ação do agente magnético.
A emancipação da alma se manifesta às vezes no estado de vigília, e produz o fenômeno designado pelo nome de dupla vista, que dá aos que o possuem a faculdade de ver, ouvir e sentir além dos limites dos nossos sentidos. Eles percebem as coisas ausentes, por toda parte, até onde a alma possa estender a sua ação; vêem, por assim dizer, por meio da vista ordi­nária, como por uma espécie de miragem.

No momento em que se produz o fenômeno da dupla vista, o estado físico é sensivelmente modificado: os olhos têm qualquer coisa de vago, olhando sem ver, e toda a fisionomia reflete uma espécie de exaltação. Constata-se que os órgãos da visão são alheios ao fenômeno, ao verificar-se que a visão persiste, mesmo com os olhos fechados. Esta faculdade se afigura, aos que a possuem, tão natural como a de ver: consideram-na um atributo normal, que não lhes parece constituir exceção. O esquecimento se segue, em geral, a essa lucidez passageira, cuja lembrança se torna cada vez mais vaga, e acaba por desaparecer, como a de um sonho.

O poder da dupla vista varia desde a sensação confusa até à percepção clara e nítida das coisas presentes ou ausentes. No estado rudimentar, ela dá a algumas pessoas o tato, a perspicácia, uma espécie de segurança nos seus atos, a que se pode chamar a justeza do golpe de vista moral. Mais desenvolvida, desperta os pressentimentos, e ainda mais desenvolvida, mostra acontecimentos já realizados ou em vias de realização.

O sonambulismo natural e artificial, o êxtase e a dupla vista não são mais do que variedades ou modificações de uma mesma causa. Esses fenômenos, da mesma maneira que os sonhos, pertencem à ordem natural. Eis por que existiram desde todos os tempos; a História nos mostra que eles foram conhecidos, e até mesmo explorados, desde a mais alta antiguidade, e neles se encontra a explicação de uma infinidade de fatos que os preconceitos fizeram passar como sobrenaturais.

Orientações de Kardec aos Espíritas (Obsessões) como agem os espíritos.


Nossos estudos nos ensinam que o mundo invisível que nos cerca reage constantemente sobre o mundo visível; no-lo mostram como uma das forças da Natureza; conhecer os efeitos desta força oculta que nos domina e nos subjuga com nosso desconhecimento não é ter a chave de mais um problema, a explicação de uma multidão de fatos que passam desapercebidos? Se esses efeitos podem ser funestos, conhecer a causa do mal não é ter um meio de se prevenir, como o conhecimento das propriedades da eletricidade nos tem dado o meio de atenuar os efeitos desastrosos do raio? Se então sucumbirmos, não poderemos nos queixar senão de nós mesmos, porque não teremos a ignorância por desculpa. O perigo está no império que os maus Espíritos impõem sobre os indivíduos, e esse império não é somente funesto do ponto de vista dos interesses da vida material. A experiência nos ensina que jamais é impunemente que alguém se abandona à sua dominação; porque suas intenções não podem nunca ser boas. Uma de suas táticas para chegar a seus fins é a desunião, porque sabem muito bem que poderão facilmente tirar vantagens daquele que está privado de apoio; também, seu primeiro cuidado, quando querem se apoderar de alguém, é sempre o de lhe inspirar a desconfiança e a antipatia por quem possa desmascará-lo com esclarecimentos, por conselhos salutares. Uma vez senhores do terreno, podem, a seu gosto, fasciná-lo com promessas sedutoras, subjugá-lo lisonjeando suas inclinações, aproveitando para isso todos os pontos fracos que encontram, para melhor fazê-lo sentir em seguida a amargura das decepções, afligi-lo em suas afeições, humilhá-lo em seu orgulho e, freqüentemente, elevá-lo por um momento senão para o precipitar de mais alto.”
R. E. 1859, p. 178: Allan Kardec.
G.T.

sábado, 23 de abril de 2011

Os Escritos Mediúnicos


Há algo de mais pernicioso ao Espiritismo do que os ataques apaixonados dos seus adversários. É o que os pseudo-adeptos publicam em seu nome. Certas publicações são simplesmente lamentáveis, uma vez que oferecem da doutrina espírita uma idéia falsa e a expõem ao ridículo. É de se perguntar por que Deus permite essas coisas e não esclarece todos os homens da mesma forma. Haverá algum meio de se remediar esse inconveniente, que nos parece um dos maiores escolhos da doutrina?
Esta questão é grave e exige algumas explicações. Eu diria, de início, que não há uma única idéia nova, sobretudo quando ela se reveste de real importância, que não encontre obstáculos. O próprio Cristianismo foi ferido na pessoa de seu chefe fundador, taxado de impostor. E seus primeiros apóstolos, seus propagadores não depararam com detratores terríveis? Por que, então, o Espiritismo seria privilegiado?
(…) Deplorais as excentricidades de certos escritos publicados sob a cobertura do Espiritismo. Pelo contrário, devereis abençoá-los, uma vez que é por esses excessos mesmos que o erro se perde. O que é que vos choca nesses escritos? O que é que vos ocasiona repulsa e, muitas vezes, vos impede de lê-los até o fim? Exatamente o que fere, violentamente, o vosso bom senso! Se a falsidade das idéias não fosse bastante evidente, bastante chocante, talvez a elas mesmas vos deixaríeis prender, enquanto que os erros tão manifestos, ferindo-vos, constituíram-se em contravenenos.
Esses erros provêm quase sempre de Espíritos levianos, sistemáticos ou pseudo-sábios, que se comprazem vendo editadas suas fantasias e utopias e isso por homens que conseguiram enlear a ponto de fazê-los aceitar, de olhos fechados, tudo quanto lhes debitam, oferecendo alguns poucos grãos de boa qualidade em meio ao joio. Mas, como esses Espíritos não possuem nem a verdadeira cultura, nem a verdadeira sabedoria, não conseguem manter por muito tempo o seu papel, e a ignorância os trai. Deus permite que deixem escapar em suas comunicações erros tão grosseiros, coisas tão absurdas e mesmo tão ridículas, idéias nas quais as noções científicas mais vulgares são demonstradas com tamanha falsidade, que, ao mesmo tempo, destroem o sistema e o livro que o contém.
Sem dúvida alguma seria preferível que só fossem publicados bons livros! Mas, embora tudo se passe de outra forma, é preciso que não temais, para o futuro, a influência dessas obras. Elas podem, momentaneamente, acender um fogo de palha, mas quando não se apóiam em uma lógica rigorosa, vede, ao fim de alguns anos, - muitas vezes de alguns poucos meses, - a que se reduziram. Para tais casos as livrarias são um termômetro infalível.
Isso me leva a dizer algumas palavras sobre as comunicações mediúnicas.
A sua publicação tanto pode ser útil, se feita com discernimento, quanto perniciosa, em caso contrário. No número dessas comunicações algumas há que, por muito boas que sejam, não interessam senão àqueles que as recebem e que pareceriam, aos olhos dos leitores estrangeiros, simples banalidades. Outras apenas têm interesse nas circunstâncias em que são transmitidas. Sem o conhecimento dos fatos a que se relacionam, surgem insignificantes aos olhos do observador.
Todo esse inconveniente estaria circunscrito apenas aos bolsos dos editores; todavia, ao lado disso, algumas há que são evidentemente nocivas, tanto por sua forma quanto por seu conteúdo e que, sob nomes respeitáveis, logicamente apócrifos, revelam um contexto absurdo ou trivial, o que, naturalmente, se presta ao ridículo e oferece armas à crítica.
Tudo se torna ainda pior quando, sob o manto desses mesmos nomes, formulam-se sistemas excêntricos ou grosseiras heresias científicas. Não haveria nenhum inconveniente em publicar-se essas espécies de comunicações, se as fizessem acompanhar de comentários, seja para refutar os erros, seja para lembrar que constituem a expressão de uma opinião individual, da qual não se assume absolutamente a responsabilidade. Assim, talvez revelassem um lado instrutivo, pondo a descoberto a que aberrações de idéias podem se entregar certos Espíritos. Mas publicá-las, pura e simplesmente, apresentá-las como expressão da verdade e garantir a autenticidade das assinaturas, que o bom senso não pode admitir, nisso está o inconveniente!
Uma vez que os Espíritos possuem livre-arbítrio e uma opinião sobre os homens e as coisas, compreender-se-á que a prudência e a conveniência mandam afastar esses perigos. No interesse da doutrina convém, pois, fazer uma escolha muito severa em semelhantes casos e pôr de lado, com cuidado, tudo quanto pode, por uma causa qualquer, produzir uma ruim impressão. É assim que o médium, conformando-se a esta regra, poderá apresentar uma compilação instrutiva, capaz de atrair as atenções e ser lida com interesse; mas é também assim que, publicando tudo quanto recebe, sem método e sem discernimento, será capaz de apresentar muitos volumes detestáveis, cujo inconveniente menor será o de não serem lidos.
É preciso que se saiba que o Espiritismo sério se faz patrono, com alegria e apressuramento, de toda obra realizada com critério, qualquer que seja o país de onde provém, mas que, igualmente, repudia todas as publicações excêntricas. Todos os espíritas que, de coração, vigiam para que a doutrina não seja comprometida, devem, pois, sem hesitação, denunciá-las, tanto mais porque, se algumas delas são produtos da boa fé, outras constituem trabalho dos próprios inimigos do Espiritismo, que visam desacreditá-lo e poder motivar acusações contra ele. Eis porque, repito, é necessário que saibamos distinguir aquilo que a doutrina espírita aceita daquilo que ela repudia.

Livro: Viagem Espírita em 1862, Instruções Particulares dadas aos Grupos em resposta a algumas das questões propostas, item VI. Allan Kardec
Postado Por: G. Teixeira

quarta-feira, 20 de abril de 2011

Entrevista – João Alessandro Müller AJERGS A importância da espiritualidade no meio jurídico


O lidador do Direito que esteja bafejado pelas luzes da Doutrina Espírita terá sempre, em cada momento, oportunidades ímpares de sublimar sua atuação profissional, agindo de acordo com os postulados espíritas.

João Alessandro Müller, 35, natural de Campo Real, atual Não-Me-Toque – RS, Procurador do Estado do Rio Grande do Sul, com especialização na Escola Superior da Magistratura e Escola Superior do Ministério Público, casado com Patrícia dos Santos Müller, com quem tem os filhos Bibiana (2 anos) e Poliana (5 meses), membro fundador, ex-Presidente e atual Diretor da Associação Jurídico-Espírita do RS, Diretor de publicações da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, articulista da Revista Reencarnação e jornal Diálogo Espírita, palestrante espírita e membro da comissão pró-fundação da AJE-Brasil.
RIE – Conte-nos como e quando foi fundada a Associação Jurídico-Espírita do Rio Grande do Sul (AJE-RS).
João Alessandro Müller – A AJE-RS nasceu da inspiração que os Espíritos trouxeram, simultaneamente, para alguns companheiros espíritas lidadores da área do Direito, às vésperas da virada do século. A Espiritualidade Superior acabou concatenando esforços no sentido de que esses irmãos se aproximassem por esses “acasos” da vida. Das longas conversas sobre a importância da espiritualidade, no meio jurídico, do relevante papel transformador que poderia exercer o profissional do Direito consciente da realidade do Espírito Imortal, da reencarnação, da continuidade da vida e da Justiça Divina é que se formou a convicção da necessidade de surgir uma entidade que colimasse, justamente, a congregação e a formação de lidadores do Direito, espíritas conscientes de suas responsabilidades perante as leis divinas. Igualmente era conhecido o papel relevantíssimo que as associações médico-espíritas já exerceriam entre os profissionais da saúde. Firmada a convicção, passou-se à busca de outros companheiros dispostos a se ligarem ao projeto. Superadas as dificuldades iniciais, colhido o apoio da Federação Espírita do Rio Grande do Sul, que deu seu aval ao propósito do grupo de companheiros, realizaram-se várias reuniões, na sede da FERGS, até que, em 19 de janeiro de 2001, fundou-se a AJE-RS – Associação Jurídico-Espírita do Rio Grande do Sul.
RIE – Que resultados apresentaram os congressos já realizados da AJE-RS?
João Alessandro – Os vários eventos realizados pela AJE-RS objetivaram sempre a discussão de temas relevantes que congregassem as esferas jurídica e espírita, com enfoque para aqueles com grande repercussão social. Temas polêmicos, como a bioética, foram amplamente discutidos em um congresso em parceria entre a AJE-RS e a AME-RS. A parceria seria reeditada, com grande sucesso, mais tarde, (e segue até hoje) na questão da dependência química, grande flagelo de nossos dias e que, até hoje, rende uma série de eventos similares por todo o Estado. Também a violência e a construção da paz foram temas de um grande evento em que, igualmente, se comemorou o Bicentenário de Allan Kardec, agora em parceria com a FERGS. Outras temáticas recorrentes são a delinquência infanto-juvenil e a orientação jurídica das casas espíritas. Recentemente, houve um evento enfocando a temática do exercício da autoridade com humildade, e a questão da ética na política. A AJERS conta, igualmente, com parcerias com instituições jurídicas, como o Ministério Público e o Poder Judiciário, tendo realizado vários eventos, na sede do Ministério Público estadual, e um, na Justiça Federal. Os eventos têm um grande efeito multiplicador das questões debatidas, trazendo-as à reflexão do público espírita e do público jurídico (ainda) não espírita. Isso tem o dúplice efeito de mobilizar os espíritas para questões pulsantes de nossa sociedade (vide o caso da violência, das drogas, do aborto, dentre outras), e de alertar os profissionais do Direito para a realidade do espírito imortal e das questões espirituais, envolvidas nessas temáticas que, para eles, eram desconhecidas. Ambos os públicos têm despertada sua responsabilidade perante tais temas.
RIE – Quais as atribuições básicas de um procurador do Estado?
João Alessandro – O Procurador do Estado é o representante judicial do Estado; é ele quem atua como advogado nos processos movidos pelo e contra o Estado. Atua, ainda, na esfera administrativa, principalmente no controle da legalidade dos atos da Administração Pública, dentre outras inúmeras funções. Tem, ainda, uma função de controle preventivo e repressivo da legalidade dos atos praticados pelos agentes do Estado. É tido como função essencial da Justiça pela Constituição Federal.

RIE – Como conciliar o conhecimento espírita com a vida profissional?
João Alessandro – Certamente é esse o grande objetivo que deve ter todo o Espírito reencarnado, portador de uma ficha de trabalho na seara jurídica que tenha sido iluminado pelas luzes da Doutrina Espírita. Inadmissível é essa criatura não diferenciar, em nada, o seu agir profissional daqueles que ainda não possuem o conhecimento da imortalidade do Espírito, embora isso ocorra ainda em grande parte dos casos. É preciso tentar aplicar as lições do evangelho e da Doutrina, em todas as situações com que nos depararmos, em nossa prática profissional, o que nem sempre é fácil, pois exige renúncias e, muitas vezes, não é o que as pessoas que nos cercam esperam de nós. Observemos as possibilidades que se colocam diante de nós. O Direito, as leis somente são invocados, quando as pessoas já viram falir todas as possibilidades de conciliação pessoal entre si. Não podemos nos esquecer de que, nos processos, pulsam vidas, mais do que nomes despersonalizados. Ali há histórias, há sentimentos, dores emanadas de espíritos reencarnados que merecem atenção e consideração especial. O lidador do Direito que esteja bafejado pelas luzes da Doutrina Espírita terá sempre, em cada momento, oportunidades ímpares de sublimar sua atuação profissional, agindo de acordo com os postulados espíritas.
RIE – Como se encontram os preparativos para a fundação da AJE-Brasil? Há previsão de data?
João Alessandro – Constituídos grupos de companheiros, já, em vários estados, com algumas AJE, já, em pleno funcionamento, é natural que os esforços se dirijam à constituição de uma entidade nacional, com o escopo de congregar e auxiliar a todos os grupos, mantendo-os unidos pelas mesmas tarefas e ideais. Os desafios que se propõem ao movimento jurídico-espírita são gigantescos, e a constituição da Associação Jurídico-Espírita do Brasil é medida que se impõe, a fim de coordenar as ações necessárias para a implementação dos objetivos do movimento jurídico-espírita. O surgimento de novas entidades estaduais está sendo incentivado, a fim de fortalecer, ainda mais, esse processo que já produz frutos indeléveis. Assim que se entender devidamente consolidado, do processo nascerá a AJE-Brasil, no tempo certo. Um passo decisivo para tanto foi dado em Porto Alegre, no final do ano passado, quando um evento da AJE-RS, versando sobre ética na política e espiritualidade, oportunizou a reunião entre as diretorias de AJE-RS e AJE-SP. Da reunião, nasceu um documento-compromisso e uma comissão com metas e plano de ação definido, visando a criação da AJE-Brasil. Os interessados em acompanhar o processo já podem acessar o site da AJE-Brasil (www.ajebrasil.org.br). O 1º Congresso Jurídico-Espírita do Estado de São Paulo, que ocorre em Ribeirão Preto, nas faculdades COC, nos dias 22 e 23 de outubro de 2010, permitirá nova reunião presencial de tal comissão, ao lado de novos companheiros de outras AJEs que surgiram, posteriormente, de forma que poderemos ter novidades alvissareiras no processo de criação da AJE-Brasil, que nascerá no tempo certo.
RIE – Qual a visão jurídico-espírita da Eutanásia, Distanásia e Ortotanásia, considerando o novo código de ética médica que entrou em vigor, a partir de abril de 2010?
João Alessandro – De fato, o novo código de ética médica acaba por adentrar as questões atinentes à eutanásia, distanásia e ortotanásia, em relação às quais a Doutrina Espírita tem uma posição bastante clara e conhecida por todos. As aberturas dadas pelo novo código de ética médica, entretanto, precisam se ater aos comandos da lei, à qual precisa o mesmo se submeter, de forma que não penso que teremos modificações substanciais, por enquanto. Entretanto, cumpre aos espíritas, em especial, às associações jurídico-espíritas e às associações médico-espíritas permanecerem no papel de defensoras dos postulados espíritas perante nossos legisladores, exercendo, assim, o direito democrático, concedido a todas as filosofias religiosas, em nosso país.

RIE – No Brasil, em alguns casos, a psicografia foi utilizada como prova no tribunal, apesar do judiciário não ser religioso, visto que o nosso estado é laico. Qual é a sua visão jurídico-espírita? Há algum risco?
João Alessandro – A temática da utilização da prova de origem mediúnica é assunto que volta, reiteradamente, às manchetes, por conta de os fatos não deixarem silenciar tão polêmica questão, ante os reiterados casos que têm se repetido, em nossos tribunais, embora os casos mais expressivos ainda tenham sido os em que atuou como médium Chico Xavier, os quais ganharam repercussão internacional. Em primeiro lugar, é preciso deixar bem claro que o nosso sistema processual não veda a utilização de tal tipo de prova, pelo que pode ela ser utilizada, não sendo ilegal. Entretanto, o julgador que dela se utilizar deverá fazê-lo, com bastante cautela e parcimônia, utilizando-se daqueles criteriosos ditames de análise das comunicações espirituais que Allan Kardec tão bem delineia em “O Livro dos Médiuns”. Nesse sentido, a Doutrina Espírita teria muito a auxiliar o Direito. Entretanto, devido aos cuidados que se exige, na utilização de tal prova, minha opinião é no sentido de que se evite ao extremo condenar alguém com base, exclusivamente, em tal espécie de prova, devendo a mesma ser inserida, sempre, no contexto probatório dos autos. Há notícias de projetos de lei, no sentido de vedar tal tipo de prova, o que seria lamentável ante as extraordinárias possibilidades que a mesma oferece.RIE – Como atuar, eticamente, num mundo com valores aéticos?
João Alessandro – Este nos parece ser um falso dilema. O mundo nada mais é do que o conjunto de todos os espíritos aqui encarnados e, se hoje ele se constitui numa apenas aparente maioria de criaturas antiéticas, tal se dá, justamente, pela timidez dos éticos, que não se apresentam exibindo seu viver ético, ostensivamente. Allan Kardec já frisava a assertiva dos Espíritos, no sentido de que o mundo parece dominado pelos maus, justamente pela timidez dos bons e que cabe a estes transformarem o mundo em um local melhor. Assim, o compromisso de todo espírita é justamente viver de maneira ética, a fim de construir um mundo renovado pelos preceitos cristãos.
RIE – Suas considerações finais
João Alessandro – Tudo tem o seu tempo, e este é o tempo dos espíritas que militam nas tarefas jurídicas se organizarem, para auxiliarem aos espíritas e suas instituições a melhor se adequarem aos novos momentos em que chegam novos regramentos legais da prática religiosa e caritativa. Ao mesmo tempo, esses mesmos espíritas precisam semear a espiritualidade, nos ambientes e nos corações ligados ao Direito. Não é pouca coisa e, por isso, precisamos do apoio do máximo de corações dispostos ao trabalho. A seara é grande e, como dizem os espíritos, “o arado está pronto, a terra espera, arai!”. É o convite que faço a todos.


REVISTA RIE - JULHO 2010 Julia Nezu

João Alessandro Müller é nosso atual Presidente do CRE 10 região. 
( Torres a Mostardas) G.T.

domingo, 17 de abril de 2011

O que é a Doutrina Espírita?

 
É o conjunto de princípios e leis, revelados pelos Espíritos Superiores, contidos nas obras de Allan Kardec que constituem a Codificação Espírita: O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho segundo o Espiritismo, O Céu e o Inferno e A Gênese.
O Espiritismo é uma ciência que trata da natureza, origem e destino dos Espíritos, bem como de suas relações com o mundo corporal.” Allan Kardec (O que é o Espiritismo – Preâmbulo)
O Espiritismo realiza o que Jesus disse do Consolador prometido: conhecimento das coisas, fazendo que o homem saiba donde vem, para onde vai e por que está na Terra; atrai para os verdadeiros princípios da lei de Deus e consola pela fé e pela esperança.” Allan Kardec (O Evangelho segundo o Espiritismo – cap. VI – 4) Revela conceitos novos e mais aprofundados a respeito de Deus, do Universo, dos Homens, dos Espíritos e das Leis que regem a vida. Revela, ainda, o que somos, de onde viemos, para onde vamos, qual o objetivo da nossa existência e qual a razão da dor e do sofrimento. Trazendo conceitos novos sobre o homem e tudo o que o cerca, o Espiritismo toca em todas as áreas do conhecimento, das atividades e do comportamento humanos, abrindo uma nova era para a regeneração da Humanidade. Pode e deve ser estudado, analisado e praticado em todos os aspectos fundamentais da vida, tais como: científico, filosófico, religioso, ético, moral, educacional, social.

sexta-feira, 15 de abril de 2011

Antecedentes históricos. Os primórdios do Espiritismo no Brasil e no Rio Grande do Sul.


Quando, em 1869, o grande missionário Allan Kardec desencarnara, o Espiritismo já se espalhara em várias direções pelo mundo. A França mantinha um movimento muito forte e operoso, sendo que Gabriel Dellane, Camille Flammarion e Leon Denis lhe seriam continuadores mais do que eficazes. A Espanha tinha um movimento pujante, e ali encontraremos na segunda metade do século XIX nomes de imortal grandeza para a Doutrina Espírita, dentre os quais poderíamos destacar Miguel Vives, Amália Domingos Soler e o próprio Angel Aguarod, que depois aportaria entre nós. Em outros países europeus o Espiritismo também aportara, como mostra o próprio Kardec, em sua correspondência mantida com quase todo o mundo civilizado.
Se até ali (final do século XIX) a Europa seria a maior potência mundial em cultura (a França em especial) e finanças (a Inglaterra), o novo século prepararia mudanças duras para aqueles povos. A intolerância, aliada à novas tecnologias, fez a guerra explodir na Europa de maneira incisiva, de forma quase constante e ininterrupta na primeira metade do século XX, aí incluídas as duas grandes guerras mundiais.

Talvez motivado também por isso, o fato é que o movimento espírita europeu seria alcançado por duro declínio nas primeiras décadas do século XX, por fatores vários. Mas a planta do Espiritismo já havia sido transmudada para o Brasil ainda na época em que Kardec era encarnado.
As últimas décadas do século XIX verão os primeiros grupos espíritas com grande força na então capital federal (Rio de Janeiro). A Doutrina era comentada e discutida pelos jornais e por intelectuais brasileiros Tanta divulgação e até um grande respeito pela maioria das instituições de então eram decorrentes de uma prática ferrenha da caridade, dos receituários e curas mediúnicas (tão procurados e em voga na época) e a própria racionalidade dos seus postulados, que tanto encantava vários intelectuais. É claro que havia muita crítica e descrédito ao Espiritismo, que sofria grandes combates já nesta época, seja por intelectuais, seja pelo Clero.
Por incrível que pareça, o nascente movimento espírita brasileiro já enfrentava os mesmos problemas de unificação que hoje defronta. Na tentativa de contornar essas dificuldades e unir as casas então existentes, eis que surge, em 1884, em pleno Império e antes mesmo da Abolição, a Federação Espírita Brasileira.
“Federação” porque congregava o conglomerado das casas espíritas brasileiras, embora inicialmente a unificação se daria apenas entre as casas fluminenses. Por certo, como o movimento ainda era incipiente, não se cogitava ainda da existência de federações estaduais, as quais certamente viriam a exigir uma “Confederação” (vale dizer, uma federação de federações) Espírita Brasileira. Mesmo com o surgimento posterior das federações estaduais, o nome Federação Espírita Brasileira permaneceu, seja pela tradição, seja pelo respeito conquistados.
Nesses primeiros momentos de unificação, a figura de Bezerra de Menezes, o “médico dos pobres”, político e deputado federal, será de incomparável grandeza, sendo que será o terceiro presidente da FEB, descarnando no cargo em 1900. Bezerra será considerado o “Kardec Brasileiro”, já que conseguira êxito na primeira grande unificação dos espíritas. E a FEB continuaria sua história até nossos dias.
As federações espíritas estaduais começam a surgir nos primeiros anos do século XX, sendo a do Amazonas (na época em grande apogeu econômico pelos seringais) uma das primeiras a surgir. No Rio Grande do Sul, entretanto, ainda haveria um grande caminho a trilhar até que as condições se fizessem propícias para tanto.
Nessa época, o Rio Grande do Sul é um Estado que atravessa grandes turbulências, em especial de ordem política e ideológica. Há muitas revoluções, muita dor e muito ódio. A política segue conturbada, sendo os conflitos resolvidos em sangue na maioria das vezes. Quase dez anos depois da criação da FEB estouraria no Estado a mais cruel das revoluções brasileiras: a Revolução Federalista, cujos efeitos espirituais ainda hoje podem ser sentidos nas reuniões mediúnicas. Esse cenário contrasta, e muito, com o Rio de Janeiro já bem mais civilizado. A intelectualidade aqui existente preocupa-se, na maioria das vezes, com as ideologias políticas sendo que a filosofia positivista encontrará grande expressão entre os políticos e governantes (em especial Julio de Castilhos e Borges de Medeiros).
Seriam necessárias ainda algumas décadas para que o Estado visse nascer sua Federação Espírita.

2. O Espiritismo nos chegou pelo mar.

Mas apesar de cenário tão adverso, o Espiritismo não deixou de aportar cedo no Rio Grande do Sul. Embora haja pouca documentação a respeito (como de resto, de toda a história do Espiritismo gaúcho), a tradição oral nos relata que em 1868 (ano anterior à desencarnação de Kardec) dois marinheiros espanhóis (como vimos, o Espiritismo espanhol atravessava grande fase) aportaram em São José do Norte, dando início à realização de sessões espíritas.
Médiuns e adeptos da Doutrina codificada por Kardec, logo sua atuação atraiu um número cada vez mais crescente de pessoas. Problematizados do corpo e do espírito, sofredores de todo tipo encontram consolo e orientação, saúde física, consolo e paz. Ocorrem fenômenos diversos, inclusive físicos e materializações. Estes, ao lado das predições premonitórias dos dois pioneiros, atraem ainda mais pessoas à sua presença.
É claro que nem tudo foram flores. Como sempre ocorre – ainda mais naquela época e dados os então fatores sócio-culturais de nosso Estado – a perseguição aos dois pioneiros faz-se implacável, em especial da mão de lideranças “cristãs”. Os dois são obrigados a fugir, indo encontrar refúgio inicialmente em Rio Grande e depois, após nova transferência forçada, em Pelotas.
A esses bravos pioneiros de quem a História não registrou maiores pormenores, atuando na região da hoje cidade de Rio Grande devemos sinceros louvores de gratidão.

3. “Sociedade Spirita Rio-Grandense”, 1887. Surgem as primeiras casas espíritas gaúchas.

Será na mesma cidade histórica de Rio Grande (então chamada cidade do “Rio Grande do Sul”) que se formará a primeira instituição espírita de nosso Estado. A ata de fundação da mesma anota a data de 25 de maio de 1887, tendo por primeiro presidente o Sr. Israel Correa da Silva (o qual presidiria a Federação Espírita do Rio Grande do Sul quase 40 anos depois, tendo sido seu terceiro presidente). A mesma ata dá por finalidade da associação “o estudo de todos os fenômenos relativos às manifestações espíritas e sua aplicação às vivências morais, físicas, históricas e psicológicas”.
Em 1898, onze anos depois, surge em Rio Grande a “S.E. Allan Kardec”. Um pouco mais tarde (26/02/1901) na mesma cidade, nasce a S.E. Bezerra de Menezes.
Essas três instituições de Rio Grande, visando fortalecer-se pela união, congregando todos os espíritas do local, criaram, de 12 a 19 de março de 1903, a “Sociedade Espírita Kardecista”, que nascia da fusão das três entidades. Essa nova entidade, a “Sociedade Espírita Kardecista”, surgida em 1903, continua em funcionamento até hoje.
Antes disso, em 13 de julho de 1894, surgia em Porto Alegre o “Grupo Espírita Allan Kardec”, funcionando inicialmente à rua Duque de Caxias nº 254. Em 16 de janeiro de 1898 o grupo mudou de denominação, passando a se chamar “Sociedade Espírita Allan Kardec”, com o que se pode dizer que essa instituição, hoje com sede na Rua Andrade Neves nº 60, no centro de Porto Alegre, é a mais antiga instituição espírita gaúcha ainda em funcionamento. É claro que, sob outro prisma, se poderia dar esse título à hoje Sociedade Espírita Kardecista (sucessora da Sociedade Spirita Rio-Grandense), mas deixemos dissensões improdutivas à deriva.
Novos grupos começaram a se formar em Porto Alegre e outras regiões do Estado. E com a multiplicidade de grupos, se começou a pensar na necessidade de todos caminharem juntos, numa mesma direção. Enfim, se começou a pensar em Unificação entre os Espíritas.

4. A Unificação do Movimento Espírita Gaúcho. Surge a Federação Espírita do Rio Grande do Sul.

Não se tem um registro mais preciso de quem partiu a luta por unir todos os espíritas sob uma mesma instituição, ou seja, fundar uma federação espírita de âmbito estadual. Não se tem notícia de grandes dissensões entre as casas então existentes. Pelo contrário, elas eram poucas e suas lideranças se relacionavam bem e tinham uma relativa unidade de visão. Aliás, essa característica facilitará em muito os esforços para a criação da futura organização federativa.
O que a História registra é que Angel Aguarod, chegado ao Brasil em 1915, após fazer várias viagens pelo Estado, empreenderá uma verdadeira cruzada para unir todos os espíritas do Estado. Não se sabe exatamente se o que ele pretendia era unicamente fundar a federação, sendo mais certo que pretendia a união de todos, a fim de evitar discórdias e desvios, além de fortalecer a Doutrina como um todo. Um ou outro articulista inclusive atribui a Aguarod, de maneira um pouco açodada, a fundação da FERGS, quando foi ele apenas um dos fundadores e maiores entusiastas, tendo sido seu quarto presidente, em 1926. O que não se pode negar é que Aguarod teve fundamental participação nesse processo.
Isso nos faz imaginar, portanto, uma série de conversas, encontros, troca de idéias entre as lideranças espíritas locais sobre como a instrumentalizar essa Unificação, sendo a criação de uma federativa um dos caminhos mais óbvios, já que o Estado do Rio Grande do Sul era um dos poucos que ainda não haviam criado a sua entidade.
As articulações que costuraram a união de todos desembocaram na convocação e realização do 1º Congresso Espírita do Rio Grande do Sul, que se daria na sede da Sociedade Espírita Allan Kardec (então localizada na General Vitorino nº 22) entre 15 e 17 de fevereiro de 1921. Mas antes disso, a fundação da nova entidade foi precedida de ampla discussão do estatuto, o que se deu a partir de outubro de 1920. O trabalho de elaboração e discussão do projeto de estatuto esteve a cargo da comissão organizadora do congresso, sendo presidida pelo Coronel Frederico Augusto Gomes da Silva.
O objeto principal do 1º Congresso – composto pelas sociedades espíritas então existentes no Estado e por pessoas físicas ligadas ao Espiritismo – foi a discussão do estatuto elaborado pela referida comissão, tendo nele sido aprovado, pelo que se tem a data de 17 de fevereiro de 1921 como a data de fundação da Federação Espírita do Estado do Rio Grande do Sul (posteriormente a palavra “Estado” seria suprimida do nome da federativa). Seu primeiro presidente seria o arquiteto Ernani Carlos Falcão Müzzel.
Só quase dois anos depois, em 30 de dezembro de 1922 é que entidade adquiriu personalidade jurídica, com o registro de seus atos sociais.
A FERGS nasceria e se manteria sempre como sociedade civil, espírita, de caráter religioso, filosófico e cientifico, tendo por finalidade a unificação e a orientação doutrinária de suas entidades federadas.

Hoje, a Federação Espírita do Rio Grande do Sul – FERGS, é apresentada como “uma sociedade civil, espírita, de caráter científico, filosófico, religioso, educacional, cultural e de ação social, sem fins lucrativos, resultante da união de sociedades civis, espíritas, do Estado, em cujo território situa seu âmbito de ação, tendo por finalidade a unificação, orientação, coordenando e dinamizando o Movimento Espírita do Estado integrando o Conselho Federativo Nacional da Federação Espírita Brasileira – FEB” (www.fergs.org.br).

5. Os primeiros anos. Sede própria:

Os primeiros anos da FERGS foram bastante difíceis no que se refere aos recursos materiais. A Federação funcionava em uma sala da Sociedade Espírita Allan Kardec, à Rua General Vitorino, 146, possuindo apenas uma mesa e um pequeno armário. Os recursos financeiros mal davam para as necessidades mais essenciais. Mas como escrevia o Dr. Pompilio de Almeida Filho, referido por Ney da Silva Pinheiro à pág. 28 da edição 419 da revista “A Reencarnação”, “nossa federação, que arrostava impavidamente a sua pobreza material, impunha-se às suas federadas e ao mundo profano como um padrão de força moral, que não temia cotejo com outras entidades religiosas”.
Na reunião federativa da noite de 20 de agosto de 1924, o então presidente Ildefonso da Silva Dias focalizou a necessidade da FERGS buscar uma sede própria, uma casa pequena que fosse, onde pudesse exercer minimamente suas funções e atividades federativas. Cria-se uma comissão de finanças para concretizar o projeto da sede própria. Nessa comissão para levantamento de fundos, muitos foram os que trabalharam e se dedicaram incansavelmente, merecendo destaque Antonio Teixeira Ellwanger, a quem se deve grande parte do sucesso da empreitada. O sonho, entretanto, somente se concretizará em 1952, quase 28 anos depois.
Antes disso, no início da década de 1940, Francisco Spinelli, ao chegar de Bom Jesus, adquire em Porto Alegre duas casas geminadas na Rua Avaí, uma destinada à residência sua com a família e a outra para abrigar a sede da FERGS, a quem graciosamente a cede.
Em final de maio de 1952 (31 anos após sua fundação), finalmente, a nova sede passa a abrigar a FERGS na Av. Desembargador André da Rocha nº 45/49. A inauguração oficial será somente em 16 de agosto, por falta de mobiliário.
Apesar disso, em momento algum a FERGS teve suas atividades interrompidas em seus 85 anos de atividades.
A sede da FEGS teve concluída a sua construção graças à extrema dedicação do Coronel Engenheiro Felisberto do Amaral Peixoto, o qual na presidência da Comissão Técnica, valendo-se de recursos financeiros próprios a fim de não atrasar a obra, alcançou a sua conclusão. O terreno foi doado pelo Município de Porto Alegre, na gestão do Dr. Clóvis Pestana.
Graças aos esforços desses abnegados homens, a “Casa do Espírita Gaúcho” pôde ser inaugurada, embora apenas em dois andares e sem os outros tantos que o projeto inicial previa, ainda pendentes de construção. Localiza-se em área privilegiada, no centro da capital gaúcha, sendo a “Casa-Máter” de todos os espíritas gaúchos.

6. Os presidentes da FERGS:

Ao longo de sua trajetória até agora, a FERGS teve 21 presidentes, sendo que cinco deles exerceram um segundo mandato não sucessivo.
Ildefonso da Silva Dias é o primeiro dos presidentes a exercer um segundo mandato, sendo o primeiro a ser reeleito para um novo período. O General Roberto Michelena é o presidente que mais tempo ocupará a presidência em períodos sucessivos: oito anos consecutivos, entre 1941 e 1947. Mas quem mais tempo exerceu a presidência da FERGS, somados dois períodos distintos será Jason de Camargo, num total de 10 anos à frente da federativa (1992/1997 e 2001/2005). Já a primeira (e, por enquanto, única) mulher a exercer a presidência será Gládis Pedersen de Oliveira (a partir de 2006).

Eis os presidentes que dirigiram a FERGS:
(1) 1921/1922: Ernani Carlos Falcão Müzzel, arquiteto;
(2) 1923: Ildefonso da Silva Dias, engenheiro civil;
(3) 1924/1925: Ismael Correa da Silva, contador;
(4) 1926: Angel Aguarod, professor;
(5) 1927: Mário Matos Santos, cartógrafo;
(6) 1928/1929, Adalberto Pio Souto, advogado;
(7) 1930: Leonel Oliveira, funcionário público;
(8) 1931/1932: Paulo Hecker, advogado e farmacêutico;
(9) 1933/1936: Ildefonso da Silva Dias, engenheiro civil (segundo mandato);
(10) 1937/1940: Felix de Abreu e Silva, engenheiro civil
(11) 1941/1947: General Roberto Pedro Michelena
(12) 1948/1951: Coronel Hélio de Castro;
(13) 1952/1955: Francisco Spinelli, advogado (falecido no exercício da presidência);
(14) 1955/1959: Coronel Hélio de Castro (segundo mandato);
(15) 1960/1961: Coronel Paulo Fernandes de Freitas;
(16) 1962/1963: Ney da Silva Pinheiro, economista;
(17) 1964/1965: Coronel Paulo Fernandes de Freitas (segundo mandato);
(18) 1966/1971: José Simões de Mattos, representante comercial;
(19) 1972/1977: Hélio Burmeister,engenheiro agrônomo;
(20) 1978/1983: Maurice Herbert Jones, funcionário público;
(21) 1984/1987: Salomão Jacob Benchaya, economista;
(22) 1988/1991: Hélio Burmeister, engenheiro agrônomo (segundo mandato);
(23) 1992/1997: Jason de Camargo, químico e físico;
(24) 1998/2001: Nilton Stamm de Andrade, bancário aposentado;
(25) 2002/2005: Jason de Camargo (segundo mandato);
(26) 2006/(…): Gládis Pedersen de Oliveira, pedagoga.

Dados biográficos e principais realizações dos presidentes serão objeto de trabalho à parte nesta mesma publicação, ao qual encaminhamos o amigo leitor.
Em que pese a importância capital de todos os presidentes, queremos aqui destacar apenas os nomes de Francisco Spinelli, Angel Aguarod e de José Simões de Mattos, homens cujas histórias se confundem com a história da própria FERGS, os quais também serão objeto de trabalhos em separado nesta edição especial.
Angel Aguarod foi a pedra fundamental para o nascimento da entidade e para a nascente Unificação (já no plano espiritual será o impulsionador do Estudo Sistematizado da Doutrina Espírita); Spinelli foi o grande empreendedor (inaugurou a nova sede e a livraria, além de ser o pioneiro em diversas campanhas, alcançando importância nacional, perante a FEB); e Mattos foi grande entusiasta da família, em especial no que tange à evangelização da infância e da juventude, as caravanas do Evangelho aos lares, evangelho no lar, dentre outras bandeiras que ergueu em nome da FERGS.
A todos os presidentes e a todos que na obscuridade dos bastidores e do trabalho abnegado ergueram o monumento que é hoje a instituição máter do Espiritismo gaúcho, nosso sincero obrigado.

7. Natanael, o Guia Espiritual da FERGS:

Ainda que de passagem, é interessante anotar outro dado relevante para todos nós: certa vez o médium Francisco Cândido Xavier revelou o nome do guia espiritual da Federação Espírita do Rio Grande do Sul. Trata-se de Natanael, aquele de quem, conforme passagem bíblica, Jesus disse a ele se referindo: “Eis um verdadeiro israelita, em quem não há dolo” (João, 1,47).
Permitimo-nos uma pequena explicação biográfica sobre esse apóstolo. Natanael é um dos doze apóstolos de Jesus, embora quase todos o conheçam como Bartolomeu, como era chamado por todos. Entretanto, Jesus a ele se dirige o chamando de Natanael (João, 1,45).
Buscando explicação para essa duplicidade de nomes, acreditam os estudiosos que Bartolomeu talvez fosse o sobrenome de Natanael, já que “bar” em aramaico significa “filho” (daí, Bartolomeu significar “filho de Talmai”). Muito pouco se sabe sobre Natanael (ou Bartolomeu), já que a Bíblia não traz outras referências a seu respeito, a não ser o arrolar entre os apóstolos de Jesus. Diz a tradição que teria vivido como missionário na Índia, tendo sido crucificado de cabeça para baixo.

8. Um campo de grandes realizações.

A FERGS escreveu (e prossegue escrevendo) sua trajetória com letras de luz. Trabalho incomensurável em prol da Doutrina Espírita, da Unificação e de todos os aqueles que sofrem.
Nessa imensa Seara mourejaram nomes que se imortalizaram por seu amor incondicional às verdades espíritas e a todos os seres humanos, além de criaturas outras cujo nome a memória física apagou, mas que sob o manto do anonimato foram também atores de tão bela epopéia de trabalho e amor.
A evangelização espírita da infância e da juventude e o estudo sistematizado da doutrina espírita foram campanhas que nasceram no seio da FERGS, para depois se espargirem pelo Brasil todo, após terem sido encampadas pela FEB.
O Departamento de Assuntos da Família, nascido no coração da evangelização, foi e é um dos mais atuantes do Brasil. Entre nós se implantaram as caravanas do evangelho aos lares, trazidas por Jose Simões de Mattos do exemplo de Chico Xavier em Uberaba. O Evangelho no Lar, por sua vez, em campanha permanente, iluminou muitos lares que descobriram o Consolador.
Na gestão de Jason de Camargo, eis que surge a inovadora campanha “Educação dos Sentimentos”, lançada através da Revista A Reencarnação e que rendeu um livro maravilhoso de título homônimo, além de outros inúmeros eventos, mobilizando o Estado inteiro, a todos convidando à reforma íntima para a felicidade. O próprio Jason assumiu pessoalmente a direção dessa tarefa, trabalhando incansavelmente pela sua expansão e sucesso. Não podemos aqui esquecer de um dos maiores pilares dessa campanha pela reforma íntima: o ex-presidente Nilton Stamm de Andrade, com sua palavra incisiva mas sábia, tocando a todos os corações.
O Projeto Conte Mais surge como outro marco do Movimento Espírita, em especial no que tange à Evangelização das novas gerações. Capitaneado em grande parte pela atual presidente Gladis Pedersen de Oliveira, o projeto – composto de diversos trabalhadores – coletou diversas histórias de cunho moral, usadas em especial nas aulas de Evangelização e as reuniu em livros divididos por faixa etária. O projeto alcançou tamanho êxito que os livros passaram a ser adotados pela rede pública de ensino e pelas escolas leigas, com recomendação da própria secretaria estadual de educação.
Aliás, aqui merece referência também a Editora Francisco Spinelli, que já editou os livros da Coleção Conte Mais, editora essa que é um sonho concretizado do ex-presidente que lhe dá o nome.

A Livraria Espírita Francisco Spinelli também completou recentemente seu cinqüentenário, sendo outra obra de Spinelli. Cumpre referir que a difusão pelo livro é outra marca da FERGS, estando sua livraria presente em todas as mais de 50 edições da famosa feira do livro de Porto Alegre, a maior de todas em céu aberto da América Latina.
A divulgação espírita foi outro grande ponto de excelência da federativa gaúcha. Além do primado da revista A Reencarnação, publicada há 72 anos ininterruptos, do Jornal Diálogo Espírita, o Espiritismo seria levado às ruas através de diversos programas radiofônicos, jornais leigos e espíritas e até mesmo da televisão.
No que tange à Unificação, a FERGS teve papel fundamental e decisivo para a celebração do famoso Pacto Áureo na FEB, em 1949, em especial pelas mãos amorosas de Francisco Spinelli e do Gen. Pedro Michelena.
E a FERGS prossegue sempre. Em cada viagem, em cada reunião regional, na chuva, no frio, lá estará a FERGS levando o Espiritismo, a qualificação dos trabalhadores espíritas, a mensagem evangélica e de Unificação. A tarefa é imensa e não se faz esperar.
Os próximos 85 anos certamente nos reservam muitas conquistas, mas também muitas lutas. Mas a FERGS estará conosco, assim como nós estaremos com a FERGS, pois a FERGS somos todos nós.

Pesquisa bibliográfica:

  1. Revista “A Reencarnação” nº 419, p. 26/39, artigo “Síntese do Processo Histórico do Espiritismo no Rio Grande do Sul”, de Ney da Silva Pinheiro.
  2. Revista “A Reencarnação” – edição comemorativa do cinqüentenário da FERGS, dezembro de 1971.
  3. Exemplares diversos da coleção de “A Reencarnação”, edição FERGS.
— Matéria veiculada na revista Reencarnação de Fevereiro de 2008.
João Alessandro Muller é Procurador do Estado, Diretor da Fergs e Presidente da AJERS – Associação Jurídico-Espirita do RGS.

quinta-feira, 14 de abril de 2011

Um olhar sobre o Plano Estrutural de O Livro dos Médiuns


Jerri Almeida
Escritor espírita e expositor
www.jerrialmeida.blogspot.com

Esta obra (Instruções Práticas sobre as Manifestações Espíritas) está inteiramente esgotada e não será reimpressa. Substituí-la-á novo trabalho, ora no prelo, e que será muito mais completo e obedecerá a um outro plano.

Allan Kardec – Revista Espírita – Agosto de 1860.


PREÂMBULO

Não é propósito desse artigo, definir um plano didático para O Livro dos Médiuns, abarcando a essência ou a singularidade do entendimento kardequiano, por ocasião de sua elaboração. Nossa pretensão, ao longo desse texto, será uma modesta interpretação, seguida de comentários, sobre sua estrutura que, sob vários aspectos, representou o estudo sério e criterioso de Allan Kardec sobre os fenômenos da mediunidade.
A relevância dessa obra é mencionada por Kardec em comentário na Revista Espírita de janeiro de 1861, onde assim se pronuncia: “Há muito tempo anunciada, mas com a publicação retardada por força de sua própria importância, esta obra aparecerá de 5 a 10 de janeiro (...) Ela constitui o complemento do Livro dos Espíritos e encerra a parte experimental do Espiritismo, assim como este último contém a parte filosófica.” Tratava-se de aprofundar os estudos sobre a dinâmica mediúnica, iniciados no opúsculo: Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas, publicado em 1858.
Conforme colocamos na epígrafe desse artigo, Kardec em agosto de 1860 publicava na Revista Espírita uma breve nota alertando o público para o lançamento de um “novo trabalho, que seria muito mais completo e obedeceria a outro plano.” Tratava-se, como é notório, de O Livro dos Médiuns, cuja publicação tardou pelo esmero do Codificador, vindo a lume somente em 15 de janeiro de 1861.
Em O Livro dos Médiuns, não temos simplesmente um manual dedicado aos médiuns, como ocorria com Instruções Práticas Sobre as Manifestações Espíritas, mas um verdadeiro tratado parapsicológico que anteciparia os estudos de Charles Richet (Membro da Sociedade Metapsíquica e Professor da Universidade de Paris), e os trabalhos e pesquisas de Joseph B. Rhyne, do departamento de psicologia da Universidade de Duke, nos Estados Unidos. Portando, estamos diante de uma obra de fôlego, dentro de uma teoria robusta, pois fundamentada na realidade objetiva do fato mediúnico, através de sólida investigação.

1.O PLANO GERAL

No plano geral da obra, Allan Kardec escreveu uma Introdução seguida por 36 capítulos. Os capítulos foram divididos em duas partes. A primeira: Noções Preliminares, formada por quatro capítulos e a segunda: Manifestações Espíritas, por 32. Essa divisão obedece a um critério metodológico adotado por Kardec, que objetivou discutir, na primeira parte, os aspectos teóricos, demonstrando o caminho criterioso, percorrido por ele, na investigação da imortalidade da alma e de sua comunicabilidade. O Codificador procurou deixar claro que não havia elaborado uma teoria preconcebida, mas que se utilizara de um método experimental, racional, fundado numa lógica rigorosa dos fatos positivamente observados.
Na segunda parte, Kardec se detém no estudo da fenomenologia espírita, na concepção de médium à luz do Espiritismo, no exercício da mediunidade e de suas dificuldades. Justifica-se, desde logo, que seja essa a parte mais extensa da obra, justamente, pelo cuidado no detalhamento dos temas. Há uma visível preocupação em situar a mediunidade como uma faculdade humana associada à estrutura biológica do ser. Outro problema que Kardec preocupava-se, era com o exercício da mediunidade e a função dos dirigentes das reuniões práticas. Percebendo a complexidade do fenômeno mediúnico, tratou de discutir, por exemplo, a influência moral do médium, o papel dos médiuns nas comunicações, a relação entre mediunidade e obsessão, buscando, com base em seu bom senso, alertar para a necessidade do estudo aprofundado e constante, especialmente, de todos os que se propõem ao exercício dessa faculdade.

 2.OBJETIVO DA OBRA

Na Introdução temos o seguinte esclarecimento: “(...) seu objetivo consiste em indicar os meios de desenvolvimento da faculdade mediúnica, tanto quanto o permitam as disposições de cada um, e, sobretudo,, dirigir-lhe o emprego de modo útil, quando ela exista. (...)” Destacando ainda que:


Além dos médiuns propriamente ditos, há uma multidão de pessoas, que aumenta todos os dias, que se ocupam das manifestações espíritas; guiá-las em suas observações, assinalar-lhes os obstáculos que podem e devem necessariamente encontrar numa nova ciência, iniciá-las na maneira de conversar com os Espíritos, indicar-lhes os meios de ter boas comunicações, é esse o campo que devemos abranger (...) (L.M. Introdução)


Allan Kardec percebendo o avanço do Espiritismo, tratou de publicar uma obra de ciência espírita capaz de instrumentalizar os indivíduos no tocante ao exercício seguro da comunicação com os espíritos. Mas, ao mesmo tempo deixou bem claro: “Nós nos dirigimos às pessoas que veem no Espiritismo um objetivo sério, que compreendem toda a sua importância e não fazem das comunicações com o mundo invisível um passatempo.” (Idem)
A rigor, sabemos que o estudo de O Livro dos Médiuns necessita, para ser bem compreendido, ser antecedido pelo estudo de O Livro dos Espíritos, para que se perceba que o Espiritismo é um todo, solidamente integrado. Com isso, a questão mediúnica não ganha, necessariamente, uma centralidade na práxis espírita. Torna-se um instrumento notável de crescimento ético-espiritual do ser (médium) que desenvolve o senso da imortalidade e enriquece seus sentimentos para o serviço de doação pessoal.


3.NOÇÕES PRELIMINARES

Essa primeira parte de O Livro dos Médiuns, havia sido também tratada de forma resumida no livro O Que é o Espiritismo, editado em 1859. O capítulo II desta obra já abordava de modo geral as “Noções Elementares de Espiritismo”. Feita essa breve observação, façamos uma análise dos capítulos que compõem essas noções preliminares.

3.1. Há Espíritos?

Nesse capítulo, cujo título é apresentado em forma de questionamento, podemos considerar que Kardec busca discutir filosoficamente três temáticas básicas:

- A natureza da alma
- A destinação do espírito após a morte
- O princípio da evolução individual

A realidade do espírito está consubstanciada na ideia de um princípio inteligente e sobrevivente à morte biológica. Essa noção acompanha o homem desde o limiar de sua caminhada evolutiva na Terra. Vejamos apenas um exemplo: A civilização do Nilo atribuía à morte uma dimensão metafísica. Em O Livro dos Mortos, provavelmente com origem na V Dinastia (2.345 a.C.) os egípcios buscavam indicações sobre a passagem do morto pelas diversas etapas em sua jornada pós-morte. Os rituais mortuários, no antigo Egito, caracterizavam a morte como uma continuação da vida. Daí a necessidade da preservação do corpo (privilégio, normalmente, da nobreza) para que o espírito a ele retornasse após sua jornada pelo mundo dos mortos. Atribuiu-se tal importância à morte que quarenta e cinco séculos antes de Cristo, na mitologia egípcia, Anúbis ou Anpu, era o deus que presidia os embalsamamentos e os sepultamentos. Acreditava-se que o corpo devia ser conservado para permitir a sobrevivência do duplo (Ka), uma espécie de matéria vaporosa e colorida que adotava a forma do corpo e do espírito. O espírito ou alma (Ba), por sua vez, era representado por uma chama ou um pássaro que voaria na direção da luz ou acompanharia o seu sepultamento.
Considerando, portanto, o amplo universo do pensamento e da cultura, Allan Kardec assim se expressa:

Seja qual for a ideia que dos Espíritos se faça, a crença neles necessariamente se funda na existência de um princípio fora da matéria. Essa crença é incompatível com a negação absoluta deste princípio. Tomamos consequentemente por ponto de partida, a existência, a sobrevivência e a individualidade da alma, (...) que tem no Espiritualismo a sua demonstração teórica e dogmática e, no Espiritismo, a demonstração positiva. [Grifos meus]

Observamos na afirmativa acima, uma verdadeira revolução gnoseológica, onde o tema do espírito deixa de ser uma abstração metafísica, uma crença religiosa, para se tornar uma “demonstração positiva”, isto é, um fato materialmente demonstrável e, por isso mesmo, situado na categoria dos objetos de investigação, observação, análise, concordância universal, tudo isso apoiado no princípio científico de que não há efeito sem causa.
Admitindo, assim, a permanência da individualidade do sujeito, e de sua consciência após a morte corporal, Kardec postula que a natureza do espírito deve ser diferente, com propriedades distintas de seu corpo físico. Ultrapassada essa primeira questão, o problema, a partir daí, está em discutir para onde irá então o espírito após a morte do corpo. Kardec colheu informações sobre a vida pós-morte seja nas reuniões mediúnicas das quais participava diretamente, ou das cartas e mensagens que outros grupos recebiam e lhe enviavam para análise.
Tudo lhe indicava uma continuidade da vida, em uma geografia muito semelhante a da Terra, tendo por base uma dinâmica evolutiva. Por sua vez, esse processo evolutivo está subordinado ao estado moral da alma, decorrente de suas construções mentais, emocionais e volitivas ao longo do tempo.

3.2. Do Maravilhoso e do Sobrenatural

A partir dos estudos e pesquisas no campo da mediunidade, evidenciando a realidade do espírito, sua natureza e sua rota evolutiva, abole-se a categoria “sobrenatural”. Tudo é natural. Os fenômenos espíritas se explicam racionalmente. Kardec apresenta argumentos e contra-argumentos buscando situar o fenômeno mediúnico dentro de uma ordem natural. O Espiritismo, então, apresenta um modelo explicativo da vida e dos múltiplos fenômenos espirituais dentro de uma organicidade que liga todas as coisas. Em O Que é o Espiritismo, Cap. I, “O maravilhoso e o sobrenatural”, diz Kardec:

O Espiritismo tende, evidentemente, a fazer reviver as crenças fundadas no maravilhoso e no sobrenatural; ora, no século positivo em que vivemos, isto me parece difícil, porque é exigir que se acredite nas superstições e nos erros populares, já condenados pela razão.

A mentalidade humana, ao longo do tempo e da cultura, havia construído um imaginário infantil sobre o “desconhecido”. Kardec, no entanto, assevera, nesse capítulo, que: “A explicação dos fatos que o Espiritismo admite, de suas causas e consequências morais forma toda uma ciência e toda uma filosofia, que reclamam estudo sério, perseverante e aprofundado.”
Retirar o “véu” que encobria certos fenômenos, e inclusive a própria essência humana, dando-lhes explicação racional, com base numa rigorosa metodologia. O imperativo é compreender, o máximo possível, as leis que regem os fenômenos. Sob esse aspecto, percebemos a originalidade do trabalho desenvolvido por Allan Kardec, desvelando as leis naturais da vida.

3.3. Do Método

Comecemos por definir a palavra “método”: do latim tardio: methodus, do grego: methodos, de meta: por através de; e hodos: caminho. Método significa, portanto, um conjunto de procedimentos racionais, baseados em regras, que visam atingir um objetivo determinado. De forma mais clara: é o caminho que utilizamos para atingir um propósito.
Em seus textos Discurso do Método e Regras para a Direção do Espírito, René Descartes (1596-1650) já destacava: “O método é necessário para a procura da verdade”, isto é: “Para bem dirigir a própria razão e buscar a verdade nas ciências.” A adoção de um método evidencia o poder de bem julgar e distinguir o verdadeiro do falso, na verdade, é o que denominamos de “bom senso” ou “razão”. Allan Kardec foi herdeiro natural do pensamento racionalista dos séculos XVII e XVIII, e, em parte, do positivismo de sua época. É de Augusto Comte (1798-1857), o pai do Positivismo e contemporâneo de Kardec, a afirmativa: “Todos os bons espíritos, repetem, desde Bacon, que somente são reais os conhecimentos que repousam sobre fatos observados.” [Grifos meus]
Ora, Kardec escreverá em A Gênese, capítulo 1, item 13 que:

(...) a doutrina não foi ditada completa, nem imposta à crença cega; porque é deduzida, pelo trabalho do homem, da observação dos fatos que os Espíritos lhe põem sobre os olhos e das instruções que lhe dão, instruções que ele estuda, comenta, compara, a fim de tirar ele próprio as ilações e aplicações. [Grifos meus]

Mais importante que a própria “observação dos fatos” é a teoria explicativa que daí surge e seus efeitos éticos e morais. Nesse sentido, Kardec manifesta sua preocupação com a importância do conhecimento e do ensino espírita. Destacamos duas afirmações do Codificador, nesse capítulo, que os espíritas jamais poderão esquecer:

1º. Dissemos que o Espiritismo é toda uma ciência, toda uma filosofia. Quem, pois, seriamente queira conhecê-lo deve, como primeira condição, dispor-se a um estudo sério e persuadir-se de que ele não pode, como nenhuma outra ciência, ser aprendido a brincar. (LM. Cap. 3, item 18)

2º. (...) tais os motivos que nos forçam a não admitir, em nossas sessões experimentais, senão quem possua suficientes noções preparatórias, para compreender o que ali se faz. (LM. Cap. 3, item 34)


Ainda hoje encontramos no Movimento Espírita, certos dirigentes que negligenciam essas instruções, sobretudo, no que tange ao acesso de pessoas estranhas às reuniões mediúnicas. Graves equívocos cometem, pois, nessa área, como em outras, a superficialidade é sinal de desconhecimento da própria complexidade que se reveste o processo mediúnico em seus múltiplos matizes. Ninguém se ariscaria a entrar num laboratório que produz vacinas para determinados vírus, sem o devido preparo de conhecimento e de roupagem própria, pois é um ambiente que exige cuidados redobrados.
Uma reunião mediúnica, guardadas as proporções, é uma espécie de laboratório de elementos fluídicos, emocionais e espirituais onde múltiplas reações ocorrem. Não se trata de tornar esse, um ambiente sacralizado, mas de preparar o grupo de trabalho para as possíveis situações que ali possam ocorrer. Sendo uma reunião de assistência e esclarecimento aos desencarnados, muitos desses apresentam-se com sentimentos enrijecidos em seus próprios dramas e complexos, muitas vezes nutridos por longo tempo. Sentimentos de vingança e ódio, de desespero e amargura, misturam-se, exigindo do grupo de trabalho o acolhimento fraterno, o equilíbrio pessoal, o conhecimento doutrinário para conduzir, de modo ingente e profícuo, todo esse processo.

3.4. Dos Sistemas

Allan Kardec, nesse capítulo, preocupa-se em identificar os sistemas que, em sua época, buscavam interpretar os fenômenos espíritas. Podemos considerar, inicialmente, por sistema, um conjunto de conhecimentos interligados, formando um todo orgânico. O Espiritismo é um sistema doutrinário centrado na existência de Deus, sua justiça, na imortalidade da alma, sua comunicabilidade com o mundo físico e sua pluriexistencialidade. São eixos fundamentais que formam uma unidade orgânica, lógica e racionalmente estruturada num corpo de doutrina.
Uma questão, levantada por Kardec, que poderá passar despercebida no meio do texto é o problema da “diversidade das interpretações”. Quer se pense sobre os sistemas e suas interpretações sobre os fatos espíritas ou, o que consideramos mais grave, as interpretações que se dá no meio espírita para os textos doutrinários, distanciando-se muitas vezes do pensamento kardequiano, conclui-se que interpretar, seja um texto ou um fato, não é tarefa simplista.
O essencial, diz lucidamente Kardec, é a aplicação da mediunidade para o melhoramento moral do ser humano: “O mais não passa de curiosidade estéril e muitas vezes orgulhosa..” (LM. Cap. 4, item 51)

4. Das Manifestações Espíritas

A segunda parte de O Livro dos Médiuns, como sabemos, é a mais volumosa, formada por 32 capítulos e apresenta um valioso estudo sobre a prática da mediunidade e suas intercorrências. A equipe do Projeto Manoel Philomeno de Miranda, em seu livro intitulado: Estudando O Livro dos Médiuns, sugeriu a divisão dessa parte em quatro núcleos. Utilizaremos essa divisão, por considerá-la didática e oportuna.
No primeiro núcleo, temos uma preocupação no que tange a explicação de múltiplos fenômenos, com preponderância para os de “efeitos físicos”. Como O Livro dos Médiuns fora escrito para ser um profundo tratado experimental da fenomenologia mediúnica, era necessário que Kardec realizasse um estudo dos fenômenos físicos, como o das “mesas girantes”, que haviam dado origem ao seu trabalho e ao Espiritismo.
O segundo núcleo apresenta o estudo conceitual sobre “o médium” e suas inúmeras classificações. Devemos ressaltar as seguintes definições:
MÉDIUM: Todo aquele que sente em grau qualquer a influência dos espíritos.
MEDIUNIDADE: Capacidade de sentir, em grau qualquer, essa influência. Não é privilégio, nem um dom, nem uma graça. É uma “faculdade inerente ao ser humano.” Allan Kardec, no entanto, postula que existe: a) no sentido geral, a grande parte da humanidade é médium, uma vez que recebe quer por meios intuitivos ou inspirativos, a influência dos espíritos sobre seus pensamentos e atos. b) os que Kardec chamou de “raros”, os que não possuem nenhum rudimento dessa faculdade. c) destacou que o termo “médium” usualmente designa aquele que contém essa faculdade num grau mais ostensivo e que, portanto, produz efeitos mais patentes e definidos. Ainda aqui, se levanta uma interessante questão: a relação entre a faculdade mediúnica e sua base fisiológica ou orgânica.
Esse estudo classifica os médiuns em duas grandes categorias: a) de efeitos físicos (objetivos), facultativos ou involuntários; b) de efeitos intelectuais (subjetivos), conscientes e inconscientes.

No terceiro núcleo temos os estudos relacionados com a vivência ou o exercício da mediunidade. Trata da formação dos médiuns, dos inconvenientes e perigos da mediunidade, do papel do médium nas comunicações e sua influência moral, a influência do meio, avançando para um estudo detalhado dos processos e graus da obsessão, a que o médium está exposto. Demonstrando, novamente, a importância – sempre fazendo conexão com o exposto na primeira parte da Obra – do estudo doutrinário e de uma vivência ético-moral saudável.
Finalmente, o quarto núcleo, irá discutir o conteúdo das manifestações mediúnicas e o papel dos dirigentes das sessões. Destacamos, no Capítulo 29, os itens 340 e 341, onde Kardec analisa o problema da influência espiritual negativa nos grupos, prescrevendo um valioso roteiro de valores para neutralizar essas investidas, o que representa, também, um valioso tratado de convivência na Casa Espírita:

  • Perfeita comunhão de vistas e de sentimentos;
  • Cordialidade recíproca entre todos os membros;
  • Ausência de todo sentimento contrário à verdadeira caridade cristã;
  • Um único desejo: o de se instruírem e melhorarem, por meio dos ensinos dos
espíritos e do aproveitamento de seus conselhos.

Apesar de apresentar um compêndio de ciência espírita, O Livro dos Médiuns enfatiza, sobretudo nesse último núcleo, os efeitos que a vivência mediúnica deve produzir para o melhoramento humano. Caso contrário, estaríamos somente nos debruçando sobre uma, como tantas outras fenomenologias, que geram saberes, pesquisas, mas que permanecem inócuas ao progresso dos sentimentos. Por isso, desejamos concluir esse texto com uma notável pergunta/advertência de Allan Kardec, no item 349 da referida Obra:

Que importa crer na existência dos Espíritos, se essa crença não faz que aquele que a tem se torne melhor, mais benigno e indulgente para com os seus semelhantes, mais humilde e paciente na adversidade?


Referências Bibliográficas

ALMEIDA, Jerri Roberto. A Convivência na Casa Espírita – Reflexões e apontamentos com base nas instruções de Allan Kardec. Porto Alegre: Francisco Spinelli, 2011.
Equipe do Projeto Manoel Philomeno de Miranda. Estudando O Livro dos Médiuns. Salvador,BA: Leal, 2008.
KARDEC, Allan. O Livro dos Médiuns. 51ª. edição. Brasília-DF: Feb, 1985.
KARDEC, Allan. O Que é o Espiritismo. 32ª. edição. Brasília-DF: Feb, 1988.
KARDEC, Allan. Revista Espírita – Jornal de Estudos Psicológicos. Agosto de 1860 e Janeiro de 1861.
Revista Reformador/Feb. Janeiro 2011. O Livro dos Médiuns. Sesquicentenário de sua publicação. Pág. 03 à 05.
Revista Reformador/Feb. Fevereiro 2011. O Livro dos Médiuns – Há Espíritos?. Pág. 43 à 45.
Revista Reformador/Feb. Março 2011. O Livro dos Médiuns – Método. Pág. 83 à 85.