Caravana da Fraternidade

Caravana da Fraternidade
Francisco Spinelli

domingo, 31 de julho de 2011

Estudos sobre Reencarnação – Revista Espírita 1864




Revista Espírita, fevereiro de 1864
(Sociedade Espírita de Paris. Médium, senhorita A. C.)
Publicado na Revista Espírita – Jornal de Estudos Psiclógicos – 7º ano – Nº 1 – Janeiro de 1864

I – Limites da reencarnação.

A reencarnação é necessária enquanto a matéria domina o Espírito; mas do momento em que o Espírito encarnado chegou a dominar a matéria e anular os efeitos de sua reação sobre o moral, a reencarnação não tem mais nenhuma utilidade nem razão de ser. Com efeito, o corpo é necessário ao Espírito para o trabalho progressivo até que, tendo chegado a manejar esse instrumento à sua maneira, a lhe imprimir a sua vontade, o trabalho está realizado. É-lhe preciso, então, um outro campo para a sua caminhada, para o seu adiantamento no infinito; lhe é preciso um outro círculo de estudos onde a matéria grosseira das esferas inferiores seja desconhecida. Tendo sobre a Terra, ou em globos análogos, depurado e experimentado suas sensações, está maduro para a vida espiritual e seus estudos. Tendo se elevado acima de todas as sensações corpóreas, não tem mais nenhum desses desejos ou necessidades inerentes à corporeidade: ele é Espírito e vive pelas sensações espirituais que são infinitamente mais deliciosas do que as mais agradáveis sensações corpóreas.

II – A reencarnação e as aspirações do homem.

As aspirações da alma ocasionam a sua realização, e esta realização se cumpre na reencarnação enquanto o Espírito está no trabalho material; eu me explico. Tomemos o Espírito em seu início na carreira humana; estúpido e bruto, sente, no entanto, a centelha divina nele, uma vez que adora um Deus, que ele materializa segundo a sua materialidade. Nesse ser, ainda vizinho do animal, há uma aspiração instintiva, quase inconsciente, rumo a um estado menos inferior. Começa por desejar satisfazer seus apetites materiais, e inveja aqueles que vê num estado melhor do que o seu; também, numa encarnação seguinte, ele mesmo escolhe, ou antes, é arrastado a um corpo mais aperfeiçoado; e sempre, em cada uma de suas existências, deseja uma melhoria material; não se achando jamais feliz, quer sempre subir, porque a aspiração à felicidade é a grande alavanca do progresso.
À medida que suas sensações corpóreas se tornam maiores, mais refinadas, suas sensações espirituais despertam e crescem também. Então o trabalho moral começa, e a depuração da alma se une à aspiração do corpo para chegar ao estado superior.
Esse estado de igualdade das aspirações materiais e espirituais não é de longa duração; logo o Espírito se eleva acima da matéria, e suas sensações não podem ser satisfeitas por ela; é-lhe preciso mais; lhe é preciso o melhor; mas aí o corpo, tendo sido levado à sua perfeição sensitiva, não pode seguir o Espírito, que então o domina e dele se desliga cada vez mais, como um instrumento inútil. Volta todos os seus desejos, todas as suas aspirações, para um estado superior; sente que as necessidades corpóreas, que lhe eram um objeto de felicidade em suas satisfações, não são mais do que uma tortura, um rebaixamento, do que uma triste necessidade da qual aspira se libertar para gozar, sem entraves, de todas as felicidades espirituais que ele pressente.

III – Ação dos fluidos na reencarnação.

Sendo os fluidos os agentes que colocam em movimento o nosso aparelho corpóreo, são eles também que são os elementos de nossas aspirações, porque há fluidos corpóreos e fluidos espirituais, que todos tendem a se elevarem e se unirem aos fluidos da mesma natureza. Esses fluidos compõem o corpo espiritual do Espírito que, no estado encarnado, age por eles sobre a máquina humana que está encarregado de aperfeiçoar, porque tudo é trabalho na criação, tudo concorre para o adiantamento geral.
O Espírito tem seu livre arbítrio, e procura sempre o que lhe é agradável e o satisfaz. Se é um Espírito inferior e material, procura suas satisfações na materialidade, e então dará um impulso aos seus fluidos corpóreos que dominarão, mas tenderão sempre a crescer e a se elevar materialmente; portanto, as aspirações desse encarnado são materiais, e, retornado ao estado de Espírito, procurará uma nova encarnação onde satisfará as suas necessidades e seus desejos materiais; porque, notai bem, a aspiração corpórea não pode pedir, como realização, senão uma nova corporeidade, ao passo que a aspiração espiritual não se prende senão às sensações do Espírito. Ela será solicitada por seus fluidos que deixou se materializarem; e como no ato da reencarnação os fluidos agem para atrair o Espírito ao corpo que foi formado, houve, pois, atração e união dos fluidos, a reencarnação se opera em condições que darão satisfação às aspirações de sua existência precedente.
Ocorre o mesmo com os fluidos espirituais com os fluidos materiais, se são eles que dominam; mas então, quando o espiritual se sobrepôs sobre o material, o Espírito, que julga diferentemente, escolhe ou é atraído por simpatias diferentes; como lhe é necessária a depuração, e que não é senão pelo trabalho que a alcança, as encarnações escolhidas são mais penosas para ele, porque, depois de haver dado a supremacia à matéria e aos seus fluidos, lhe é necessário constrangê-la, lutar com ela e dominá-la. Daí essas existências tão dolorosas e que parecem, freqüentemente, tão injustas, infligidas a Espíritos bons e inteligentes. Aqueles fazem sua última etapa corpórea e entram, saindo deste mundo, nas esferas superiores onde suas aspirações superiores acharão a sua realização.

IV – As afeições terrestres e a reencarnação.

O dogma da reencarnação indefinida encontra oposições no coração do encarnado que ama, porque em presença dessa infinidade de existências, produzindo cada uma delas novos laços, pergunta-se com medo o que se tornam as afeições particulares, e se elas não se fundem num único amor geral, o que destruiria a persistência da afeição individual. Pergunta-se se essa afeição individual não é somente um meio de adiantamento, e então o desencorajamento se insinua em sua alma, porque a verdadeira afeição sente a necessidade de um amor eterno, sentindo que não se deixará jamais de amar. O pensamento de milhares dessas afeições idênticas lhe parece uma impossibilidade, mesmo admitindo faculdades maiores para o amor.
O encarnado que estuda seriamente o Espiritismo, sem tomar partido por um sistema antes que por um outro, se encontra arrastado para a reencarnação pela justiça que decorre do progresso e do adiantamento do Espírito em cada nova existência; mas quando o estuda do ponto de vista das afeições do coração, duvida e se atemoriza apesar dele. Não podendo colocar de acordo esses dois sentimentos, se diz que ali ainda tem um véu a levantar, e seu pensamento nesse trabalho atrai as luzes dos Espíritos para concordar seu coração e sua razão.
Eu disse precedentemente: a encarnação se detém lá onde a materialidade é anulada. Mostrei como o progresso material havia de início refinado as sensações corpóreas do Espírito encarnado; como o progresso espiritual, tendo vindo em seguida, havia contrabalançado a influência da matéria, depois a havia, enfim, subordinado à sua vontade, e, que chegado a esse grau de domínio espiritual, a corporeidade não tinha mais razão de ser, o trabalho estando realizado.
Examinemos agora a questão da afeição sob esses dois aspectos, material e espiritual.
De início, o que é a afeição, o amor? Ainda a atração fluídica atraindo dois seres um para o outro, e unindo-os num mesmo sentimento. Essa atração pode ser de duas naturezas diferentes, uma vez que os fluidos são de duas naturezas. Mas para que a afeição persista eternamente, é preciso que ela seja espiritual e desinteressada; é preciso a abnegação, o devotamento, e que nenhum sentimento pessoal seja o móvel desse arrastamento simpático. Do momento em que haja, nesse sentimento, personalidade, há materialidade; ora, nenhuma afeição material persiste nos domínios do Espírito. Portanto, toda afeição que não seja senão o resultado do instinto animal ou do egoísmo, se destrói à morte terrestre. Também, que seres supostamente amados são esquecidos depois de pouco tempo de separação! Vós os haveis amado por vós e não por eles, aqueles que não são mais, uma vez que os esquecestes e substituístes; procurastes a consolação no esquecimento; eles se vos tornam indiferentes, porque não tendes mais amor.
Contemplai a Humanidade, e vede o quanto há pouca afeição verdadeira sobre a Terra! Também não se deve tanto se amedrontar com a multiplicidade das afeições contraídas nesse mundo; elas são em minoria relativa, mas existem, e as que são reais persistem e se perpetuam sob todas as formas, sobre a Terra, de início, depois continuam no estado de Espírito numa amizade ou um amor inalterável, que não faz senão crescer em se elevando mais.
Vamos estudar esta verdadeira afeição: a afeição espiritual.
A afeição espiritual tem por base a afinidade fluídica espiritual, que, agindo sozinha, determina a simpatia. Quando ocorre assim, é a alma que ama a alma, e essa afeição não toma força senão pela manifestação dos sentimentos da alma. Dois Espíritos unidos espiritualmente se procuram e tendem sempre a se aproximarem; seus fluidos são atrativos. Que estejam num mesmo globo, serão levados um para o outro; que estejam separados pela morte terrestre, seus pensamentos se unirão na lembrança, e a união se fará na liberdade do sono; e quando a hora de uma nova encarnação soar para um deles, procurará se aproximar de seu amigo entrando nisso que é sua filiação material, e fá-lo-á com tanto mais facilidade quanto seus fluidos periespirituais materiais encontrarem afinidade na matéria corpórea dos encarnados que deram a luz ao novo ser. Dai um novo aumento da afeição, uma nova manifestação do amor. Tal Espírito amigo vos amou como pai, vos amará como filho, como irmão ou como amigo, e cada um desses laços aumentará de encarnação em encarnação, e se perpetuará de maneira inalterável quando, vosso trabalho estando feito, vivereis da vida do Espírito.
Mas essa verdadeira afeição não é comum sobre a Terra, e a matéria vem retardá-la, anulando-lhe os efeitos, segundo ela domine o Espírito. A verdadeira amizade, o verdadeiro amor sendo espiritual, tudo o que se relaciona com a matéria não é de sua natureza, nem concorre em nada para a identificação espiritual. A afinidade persiste, mas fica no estado latente até que o fluido espiritual se sobrepondo, o progresso simpático se efetue de novo. Para me resumir, a afeição espiritual é a única resistência no domínio do Espírito; sobre a Terra e nas esferas de trabalho corpóreo, ela concorre para o adiantamento moral do Espírito encarnado que, sob a influência simpática, cumpre milagres de abnegação e de devotamento pelos seres amados. Aqui, nas moradas celestes, ela é a satisfação completa de todas as aspirações, e a maior felicidade que o Espírito possa sentir.

V – O progresso entravado pela reencarnação indefinida.

Até aqui a reencarnação foi admitida de um modo muito prolongado; não se pensou senão nessa prolongação da corporeidade, embora cada vez menos material, ocasionando, no entanto, necessidades que deviam entravar o vôo do Espírito. Com efeito, admitindo a persistência da geração nos mundos superiores, atribui-se ao Espírito encarnado necessidades corpóreas, dão-lhe deveres e ocupações ainda materiais que constrangem e detêm o impulso dos estudos espirituais. Que necessidade desses entraves? O Espírito não pode gozar as felicidades do amor sem sofrer as enfermidades corpóreas? Sobre a própria Terra, esse sentimento existe por si mesmo, independente da parte material de nosso ser; os exemplos, embora sejam raros, estão aí, suficientes para provar que deve ser sentido mais geralmente entre os seres mais espiritualizados.
A reencarnação ocasiona a união dos corpos, o amor puro somente a união das almas. Os Espíritos se unem segundo suas afeições começadas nos mundos inferiores, e trabalham juntos para o seu adiantamento espiritual. Eles têm uma organização fluídica muito diferente daquela que era a conseqüência de seu aparelho corpóreo, e seus trabalhos se exercem sobre os fluidos e não sobre os objetos materiais. Vão em esferas que, também elas, cumpriram seu período material, em esferas cujo trabalho humano levou a desmaterialização, e que, chegados ao apogeu de seu aperfeiçoamento, também passaram por uma transformação superior, que os torna próprios para sofrer outras modificações, mas num sentido todo fluídico.
Compreendeis, desde hoje a força imensa do fluido, força que não podeis senão constatar, mas que não vedes nem apalpais. Num estado menos pesado do que aquele em que estais, teríeis outros meios de ver, de tocar, de trabalhar esse fluido que é o grande agente da vida universal. Porque, pois, o Espírito teria ainda necessidade de um corpo que está fora das apreciações corpóreas? Dir-me-eis que esse corpo está em relação com os novos trabalhos que o Espírito terá que cumprir; mas uma vez que esses trabalhos serão todo fluídicos e espirituais nas esferas superiores, por que dar-lhe o embaraço das necessidades corpóreas, porque a reencarnação ocasiona sempre, como eu o disse, geração e alimentação, quer dizer, necessidade da matéria a satisfazer, e, em compensação, entraves para o Espírito. Compreendeis que o Espírito deve ser livre em seu vôo para o infinito; compreendeis que tendo saído dos cueiros da matéria, ele aspira, como a criança, a caminhar e correr sem ser contido pelas andadeiras maternas, e que essas primeiras necessidades da primeira educação da criança são supérfluas para a criança crescida, e insuportáveis ao adolescente. Não desejeis, pois, permanecer na infância; considerai-vos como alunos fazendo seus últimos estudos escolares, e se dispondo a entrar no mundo, e a ter nele seu lugar, e a começar os trabalhos de um outro gênero que seus estudos preliminares terão facilitado.
O Espiritismo é a alavanca que levantará de um pulo ao estado espiritual todo encarnado que, querendo bem compreendê-lo e pô-lo em prática, se ligará em dominar a matéria, a dela se tornar senhor, a aniquilá-la; todo Espírito de boa vontade pode se colocar em estado de passar, deixando este mundo, ao estado espiritual sem retorno terrestre; somente, lhe é preciso a fé ou vontade ativa. O Espiritismo a dá a todos aqueles que querem compreendê-lo em seu sentido moralizador.

Um espírito protetor do médium.

Nota.

- Esta comunicação não leva outra assinatura senão esta acima, o que prova que não há necessidade de haver tido um nome célebre sobre a Terra para ditar boas coisas.

Resumo:

A vida do Espírito, considerada do ponto de vista do progresso, apresenta três períodos principais, a saber:
1º- O período material onde a influência da matéria domina a do Espírito; é o estado dos homens dados às paixões brutais e carnais, à sensualidade; cujas aspirações são exclusivamente terrestres, que são apegados aos bens temporais, ou refratários às idéias espiritualistas.
2º – O período de equilíbrio; aquele em que as influências da matéria e do Espírito se exercem simultaneamente; onde o homem, embora submetido às necessidades materiais, pressente e compreende o estado espiritual; onde ele trabalha para sair do estado corpóreo.
Nesses dois períodos o Espírito está submetido à reencarnação, que se cumpre nos mundos inferiores e medianos.
3º – O período espiritual aquele em que o Espírito, tendo dominado completamente a matéria, não tem mais necessidade da encarnação nem do trabalho material, seu trabalho é todo espiritual; é o estado dos Espíritos nos mundos superiores.
A facilidade com a qual certas pessoas aceitam as idéias espíritas, das quais parecem ter a intuição, indica que pertencem ao segundo período; mas entre estas e as outras há uma multidão de graus que o Espírito atravessa tanto mais rapidamente quanto mais próximo estiver do período espiritual; é assim que, de um mundo material como a Terra, ele pode ir habitar um mundo superior, como Júpiter, por exemplo, se seu adiantamento moral e espiritual for suficiente para dispensá-lo de passar pelos graus intermediários. Depende, pois, do homem deixar a Terra sem retorno, como mundo de expiação e de prova para ele, ou não retornar a ela senão em missão.

terça-feira, 26 de julho de 2011

LOCAIS ASSOMBRADOS

 


As manifestações espontâneas verificadas em todos os tempos, e a insistência de alguns Espíritos em mostrarem a sua presença em certos lugares, constituem a origem da crença nos locais mal-assombrados. As respostas seguintes foram dadas a perguntas feitas a esse respeito.

1. Os Espíritos se apegam somente a pessoas ou também a coisas?


— Isso depende da sua elevação. Certos Espíritos podem apegar-se às coisas terrenas. Os avarentos, por exemplo, que viveram escondendo as suas riquezas e não estão suficientemente desmaterializados, podem ainda espreitá-los e guardá-los.

2. Os Espíritos errantes têm predileção por alguns lugares?


— Trata-se ainda do mesmo princípio. Os Espíritos já desapegados das coisas terrenas preferem os lugares onde são amados. São mais atraídos pelas pessoas do que pelos objetos materiais. Não obstante, há os que podem momentaneamente ter preferência por certos lugares, mas são sempre Espíritos inferiores.

3. Desde que o apego dos Espíritos por um local é sinal de inferioridade, será também de que são maus espíritos?


— Claro que não. Um Espírito pode ser pouco adiantado sem que por isso seja mau. Não acontece o mesmo entre os homens?

4. A crença de que os Espíritos freqüentam, de preferência, as ruínas, têm algum fundamento?


— Não. Os Espíritos vão a esses lugares como a toda parte. Mas a imaginação é tocada pelo aspecto lúgubre de alguns lugares e atribui aos Espíritos efeitos na maioria das vezes muito naturais. Quantas vezes o medo não fez tornar a sombra de uma árvore por um fantasma, o grunhido de um animal ou o sopro do vento por um gemido? Os Espíritos gostam da presença humana e por isso preferem os lugares habitados aos abandonados.

4.a. Entretanto, pelo que sabemos da diversidade de temperamento dos Espíritos, deve haver misantropos entre eles, que podem preferir a solidão.


— Por isso não respondi à pergunta de maneira absoluta. Disse que eles podem ir aos lugares abandonados como a toda parte. É evidente que os que se mantêm afastados é porque isso lhes apraz. Mas isso não quer dizer que as ruínas sejam forçosamente preferidas pelos Espíritos, pois o certo é que eles se acham muito mais nas cidades e nos palácios do que no fundo dos bosques.

5. As crenças populares, em geral, têm um fundo de verdade. Qual a origem da crença em lugares assombrados?


— O fundo de verdade, nesse caso, é a manifestação dos Espíritos em que o homem acreditou, por instinto, desde todos os tempos. Mas, como já disse, o aspecto dos lugares lúgubres toca-lhe a imaginação e ele os povoa naturalmente como os seres que consideram sobrenaturais. Essa crença supersticiosa é entretida pelas obras dos poetas e pelos contos fantásticos com que lhe embalaram a infância. (1)

6. Os Espíritos que se reúnem escolhem para isso dias e horas de sua predileção?


— Não. Os dias e as horas são usados pelo homem para controle do tempo, mas os Espíritos não precisam disso e não se inquietam a respeito. (2)

7. Qual a origem da idéia de que os Espíritos aparecem de preferência à noite?


— A impressão produzida na imaginação pelo escuro e o silêncio. Toda essas crenças são superstições que o conhecimento racional do Espiritismo deve destruir. O mesmo se dá com a crença em dias e horas propícias. Acreditai que a influência da meia-noite jamais existiu, a não ser nos contos.

7.a. Se for assim, porque certos Espíritos anunciam a sua chegada e a sua manifestação para àquela hora e em dias determinados, como a sexta-feira, por exemplo?


— São Espíritos que se aproveitam da credulidade humana para se divertirem. É pela mesma razão que uns se dizem o Diabo ou se dão nomes infernais. Mostrai-lhes que não sois tolos e eles não voltarão.

8. Os Espíritos visitam de preferência os túmulos em que repousam os seus corpos?


— O corpo não era mais que uma veste. Eles não ligam mais para o envoltório que os fez sofrer do que o prisioneiro para as algemas. A lembrança das pessoas que lhes são caras é a única coisa a que dão valor. (3)

8. a. As preces que se fazem sobre os seus túmulos são mais agradáveis para eles, e os atraem mais do que as feitas em outros lugares?


— A prece é uma evocação que atrai os Espíritos, como o sabeis. A prece tem tanto maior ação, quanto mais fervorosa e mais sincera. Ora, diante de um túmulo venerado as pessoas se concentram mais e a conservação de relíquias piedosas é um testemunho de afeição que se dá ao Espírito, ao qual ele é sempre sensível. É sempre o pensamento que age sobre o Espírito e não os objetos materiais. Esses objetos influem mais sobre aquele que ora, fixando-lhe a atenção, do que sobre o Espírito.

9. Diante disso, a crença em locais assombrados não pareceria absolutamente falsa?


— Dissemos que certos Espíritos podem ser atraídos por coisas materiais: podem sê-lo por certos lugares, que parecem escolher como domicílio até que cessem as razões que os levaram a isso.

9. a . Quais as razões que podem levá-los a isso?


— Sua simpatia por algumas das pessoas que freqüentam os lugares ou o desejo de se comunicarem com elas. Entretanto, suas intenções nem sempre são tão louváveis. Quando se trata de maus Espíritos, podem querer vingar-se de certas pessoas das quais tem queixas. A permanência em determinado lugar pode ser também, para alguns, uma punição que lhe foi imposta, sobretudo se ali cometeram, para que tenham constantemente esse crime diante dos olhos. (4)

10. Os locais assombrados sempre o são por seus antigos moradores?


— Algumas vezes, mas não sempre, pois se o antigo morador for um Espírito elevado não ligará mais à sua antiga habitação do que ao seu corpo. Os Espíritos que assombram certos locais quase sempre o fazem só por capricho, a menos que sejam atraídos pela simpatia por alguma pessoas.

10. a . Podem eles fixar-se no local para proteger uma pessoa ou sua família?


— Seguramente, se são Espíritos bons. Mas nesse caso jamais se manifestam de maneira desagradável.

11. Há alguma coisa de real na estória da Dama Branca?


— É um conto extraído de mil fatos que realmente se verificaram. (5)

12. É racional temer os lugares assombrados por Espíritos?


— Não. Os Espíritos que assombram certos lugares e os põem em polvorosa procuram antes divertir-se à custa da credulidade e da covardia das criaturas, do que fazer mal. Lembrai-vos de que há Espíritos por toda parte e de que onde estiverdes tereis Espíritos ao vosso lado, mesmo nas mais agradáveis casas. Eles só parecem assombrar certas habitações porque encontram nelas a oportunidade de manifestar a sua presença. (6)

13. Há um meio de os expulsar?


— Sim, mas quase sempre o que se faz para afastá-los serve mais para atraí-los. O melhor meio de expulsar os maus Espíritos é atrair os bons. Portanto, atrai os bons Espíritos, fazendo o maior bem possível, que os maus fugirão, pois o bem e o mal são incompatíveis. Sede sempre bons e só tereis bons Espíritos ao vosso lado.

13. a. Mas há pessoas muito boas que vivem às voltas com as tropelias dos maus Espíritos.


— Se essas pessoas forem realmente boas, isso pode ser uma prova para exercitar-lhes à paciência e incitá-las a serem ainda melhores. Mas não acrediteis que os que mais falam da virtude é que a possuem. Os que possuem qualidades reais quase sempre o ignoram ou nada falam a respeito.

14. Que pensar da eficácia do exorcismo para expulsar os maus Espíritos dos locais assombrados?


— Vistes muitas vezes esse meio dar resultados? Não vistes, pelo contrário, redobrar-se a tropelia após as cerimônias de exorcismo? É que eles se divertem ao serem tomados pelo Diabo. Os Espíritos que não tem más intenções podem também manifestar a sua presença por meio de ruídos ou mesmo tornarem-se visíveis, mas não fazem jamais tropelias incômodas. São quase sempre Espíritos sofredores, que podeis aliviar fazendo preces por eles. De outras vezes
são mesmo Espíritos benevolentes que desejam provar a sua presença junto a vós, ou, por fim, Espíritos levianos que se divertem. Como os que perturbam o repouso com barulhos são quase sempre Espíritos brincalhões, o que melhor se tem a fazer é rir do que fazem. Eles se afastam ao verem que não conseguem amedrontar ou impacientar. (7)

Resulta das explicações acima que há Espíritos que se apegam a certos locais, preferindo permanecer neles, se que, entretanto, tenham necessidade de manifestar a sua presença por meio de efeitos sensíveis. Qualquer local pode ser a morada obrigatória ou da preferência de um Espírito, mesmo que seja mau, sem que jamais haja produzido qualquer manifestação.


Os Espíritos que se ligam a locais ou coisas materiais nunca são sup
eriores. Contudo, mesmo que não sejam superiores, não têm de ser necessariamente maus, ou alimentar más intenções. Não raro, são, algumas vezes, companheiros mais úteis do que prejudiciais, pois, caso se interessem pelas pessoas, podem protegê-las.


Texto retirado do “Livro dos Médiuns” (Capítulo 9 )– Allan Kardec


Notas:


(1) O instinto a que o espírito se referiu não é o biológico, mas o espiritual: a lembrança instintiva do Outro Mundo, do qual ele veio para a Terra.

(2) Creio que temos que levar em consideração que “O Livro dos Médiuns” foi escrito em 1861. Hoje em dia sabemos que sim, os Espíritos possuem uma certa organização, inclusive em termos de horários, principalmente a Espiritualidade Amiga, quando trabalha juntamente com nós, encarnados, no auxílio em nome do Bem. Daí a importância de nós reservarmos sempre dias e horas específicas para a realização dos trabalhos, como por exemplo o “Evangelho no Lar”, e seguirmos à risca, visto que a Espiritualidade ajuda a todos, mas não é nossa “escrava”...

(3) Apesar desse relato, podemos ver nas obras de André Luiz diversos casos em que os espíritos permanecem meses, ou até mesmo anos, ligados ao seu envoltório físico, seja por desconhecimento do seu desencarne, seja por medo de desligar-se do mesmo, por excessivo apego às formas físicas, seja por ação de outros espíritos, que os mantêm ligados ao corpo apenas por maldade, para que o mesmo sinta a decomposição da carne etc... Afinal, como o próprio André Luiz fala, nenhum desencarne é igual ao outro. Com isso, podemos perceber, que, ainda que muito espíritas “ortodoxos” afirmem que André Luiz contraria Allan Kardec, trata-se justamente do contrário: seus relatos complementam a grande obra iniciada pelo Codificador do Espiritismo.

(4) Ver a Revista Espírita de fevereiro de 1860: História de um danado – O caso mencionado não só confirma a explicação acima, como também representa um dos episódios mais instrutivos da pesquisa espírita realizada por Kardec. Indispensável a sua leitura para a boa compreensão do problema tratado neste capítulo.

(5) A Dama Branca é uma figura das antigas mitologias escocesas e alemãs que aparece em lendas populares.

(6) O filósofo grego Tales de Mileto dizia: "O mundo é cheio de deuses". “Os deuses antigos eram Espíritos”, segundo o Espiritismo. A afirmação de Tales concorda com essa da resposta acima. Há Espíritos por toda parte. Ver em O Livro dos Espíritos o cap. IX da segunda parte: Intervenção dos Espíritos no Mundo Corpóreo.

(7) Sobre este assunto, ver o capítulo V do Livro dos Médiuns: Manifestações Físicas Espontâneas.


sexta-feira, 15 de julho de 2011

Vida em outros Planetas. Júpiter e alguns outros mundos ( Planetas )

Desenho incluído na Revue Spirite de 1858, mostrando  Mansão de Mozart em Júpiter. Desenho de autoria do médium Victorien Sardou (pelo "espírito" Bernard Palissy).

Revista Espírita, março de 1858
Antes de entrarmos nos detalhes das revelações que os Espíritos nos fizeram, sobre o estado dos diferentes mundos, vejamos a quais conseqüências lógicas poderemos chegar, por nós mesmos e unicamente pelo raciocínio. Reportando-se à escala espírita que demos no precedente número, pedimos às pessoas desejosas de aprofundarem seriamente essa ciência nova, estudarem com cuidado esse quadro e dele se compenetrarem; nele encontrarão a chave de mais de um mistério.
O mundo dos Espíritos se compõe de almas de todos os humanos desta Terra e de outras esferas, desligadas dos laços corporais; do mesmo modo, todos os humanos são animados por Espíritos neles encarnados. Há, pois, solidariedade entre os dois mundos: os homens terão as qualidades e as imperfeições dos Espíritos com os quais estão unidos; os Espíritos serão mais ou menos bons ou maus, segundo os progressos que tiverem feito durante a sua existência corporal. Essas poucas palavras resumem toda a doutrina. Como os atos dos homens são o produto do seu livre arbítrio, levam a marca da perfeição ou da imperfeição do Espírito que os provocam. Ser-nos-á, pois, muito fácil fazermos uma idéia do estado moral de um mundo qualquer, segundo a natureza dos Espíritos que o habitem; poderemos, de algum modo, descrever a sua legislação, traçar o quadro dos seus costumes, dos seus usos, das suas relações sociais. Suponhamos, pois, um globo habitado, exclusivamente, por Espíritos da nona classe, por Espíritos impuros, e a ele nos transportemos pelo pensamento. Nele veremos todas as paixões desencadeadas e sem freio; o estado moral no último grau de embrutecimento; a vida animal em toda a sua brutalidade; nada de laços sociais, porque cada um não vive e não age senão para si e para satisfazer os seus apetites grosseiros; o egoísmo nele reina com soberania absoluta, e arrasta consigo o ódio, a inveja, o ciúme, a cupidez, a morte.
Passemos, agora, para uma outra esfera, onde se encontrem Espíritos de todas as classes da terceira ordem: Espíritos impuros, Espíritos levianos, Espíritos pseudo-sábios, Espíritos neutros. Sabemos que, em todas as classes dessa ordem, o mal domina; mas, sem terem o pensamento do bem, o do mal decresce à medida que se afastam da última classe, O egoísmo é sempre o móvel principal das ações, mas os costumes são mais brandos, a inteligência mais desenvolvida; o mal, aí, estará um pouco disfarçado, enfeitado e dissimulado. Essas próprias qualidades, engendram um outro defeito, que é o orgulho; porque as classes mais elevadas são bastante esclarecidas para terem consciência da sua superioridade, mas não o bastante para compreenderem o que lhes falta; daí a sua tendência à escravização das classes inferiores, e de raças mais fracas, que tenham sob o seu jugo. Não tendo o sentimento do bem, não têm senão o instinto do eu e acionam a sua inteligência para satisfazerem as suas paixões. Numa tal sociedade, se o elemento impuro domina, esmagará o outro; no caso contrário, os menos maus procurarão destruir os seus adversários; em todos os casos, haverá luta, luta sangrenta, luta de extermínio, porque são dois elementos que têm interesses opostos. Para proteger os bens e as pessoas, serão necessárias leis; mas essas leis serão ditadas pelo interesse pessoal e não pela justiça; o forte as fará, em detrimento do fraco.
Suponhamos, agora, um mundo onde, entre os elementos maus que acabamos de ver, se encontrem alguns dos de segunda ordem; então, em meio da perversidade, veremos aparecer algumas virtudes. Se os bons estiverem em minoria, serão vítimas dos maus; mas, à medida que aumente a sua preponderância, a legislação será mais humana, mais eqüitativa, e a caridade cristã não será, para todos, uma letra morta. Desse próprio bem, vai nascer um outro vício. Malgrado a guerra que os maus declarem, sem cessar, aos bons, não poderão impedi-los de os estimar em seu foro íntimo; vendo a ascendência da virtude sobre o vício, e não tendo nem a força e nem a vontade de praticá-la, procurarão parodiá-la; tomam-lhe a máscara; daí os hipócritas, tão numerosos em toda sociedade onde a civilização é imperfeita.
Continuemos nossa rota através dos mundos, e detenhamo-nos neste, que nos vai repousar um pouco do triste espetáculo que acabamos de ver. Não é habitado senão por Espíritos da segunda ordem. Que diferença! O grau de depuração que alcançaram exclui, entre eles, todo pensamento do mal, e só essa palavra nos dá a idéia do estado moral dessa feliz região. A legislação, aí, é bem simples, porque os, homens não têm do que se defenderem, uns contra os outros; ninguém quer o mal para o seu próximo, ninguém se apropria do que não lhe pertence, ninguém procura viver em detrimento do seu vizinho. Tudo respira a benevolência e o amor; os homens não procuram se prejudicar; não há ódio; o egoísmo é desconhecido e a hipocrisia não teria finalidade. Aí, todavia, não reina a igualdade absoluta, porque a igualdade absoluta supõe uma identidade perfeita no desenvolvimento intelectual e moral; ora, veremos, pela escala espiritual, que a segunda ordem compreende vários graus de desenvolvimento; haverá, pois, nesse mundo, desigualdades, porque uns serão mais avançados do que outros; mas, como entre eles não há senão o pensamento do bem, os mais elevados não conceberão nada de orgulho, e os outros nada de ciúme. O inferior compreende a ascendência do superior e se submete, porque essa ascendência é puramente moral e ninguém dela se serve para oprimir.
As conseqüências que tiramos, desses quadros, embora apresentadas de um modo hipotético, não deixam de ser perfeitamente racionais, e, cada um pode deduzir o estado social de um mundo qualquer, segundo a proporção dos elementos morais dos quais se o supõe composto. Vimos que, abstração feita da revelação dos Espíritos, todas as probabilidades são para a pluralidade dos mundos; ora, não é menos racional pensar que todos não estão num mesmo grau de perfeição, e que, por isso mesmo, nossas suposições podem muito bem ser realidades. Não os conhecemos, senão o nosso, de um modo positivo. Que categoria ele ocupa nessa hierarquia? Ah! basta considerar o que aqui se passa para ver que está longe de merecer a primeira categoria, e estamos convencidos de que, lendo estas linhas, já se lhe terá marcado seu lugar. Quando os Espíritos nos dizem que estão, senão na última, pelo menos nas últimas, o simples bom senso nos diz, infelizmente, que não se enganam; temos muito a fazer para elevá-lo à categoria daquele que escrevemos em último lugar, e temos muita necessidade que o Cristo venha nos mostrar o caminho.
Quanto à aplicação, que podemos fazer, do nosso raciocínio, aos diferentes globos do nosso turbilhão planetário, não temos senão os ensinamentos dos Espíritos; ora, para quem não admite senão provas palpáveis, é positivo que sua asserção, a esse respeito, não tenha a certeza da experimentação direta. No entanto, não aceitamos, todos os dias com confiança as descrições, que os viajantes nos fazem, de países que jamais vimos? Se nós não devêssemos crer senão por nossos olhos, não creríamos em grande coisa. O que dá aqui, um certo peso ao dizer dos Espíritos, é a correlação que existe entre eles, pelo menos nos pontos principais. Para nós, que fomos cem vezes testemunhas dessas comunicações, que pudemos apreciá-las em seus menores detalhes, que nelas escrutamos o forte e o fraco, observamos as semelhanças e as contradições, encontramos todos os caracteres da probabilidade; todavia, não lhes damos senão sob benefício de inventário, a título de notícias, aos quais cada um está livre para ligar a importância que julga adequada. Segundo os Espíritos, o planeta Marte seria ainda menos avançado do que a Terra; os Espíritos que nele estão encarnados pareceriam pertencer, quase exclusivamente, à nona classe, a dos Espíritos impuros, de sorte que o primeiro quadro, que demos acima, seria a imagem desse mundo. Vários outros pequenos globos estão, com algumas nuanças, na mesma categoria. A Terra viria em seguida; a maioria de seus habitantes pertence, incontestavelmente, a todas as classes da terceira ordem, e a parte menor às últimas classes da segunda ordem. Os Espíritos superiores, os da segunda e da terceira classe, nela cumprem, algumas vezes, uma missão de civilização e progresso, e são exceções. Mercúrio e Saturno vêm depois da Terra. A superioridade numérica de bons Espíritos lhes dá a preponderância sobre os Espíritos inferiores, do que resulta uma ordem social mais perfeita, relações menos egoístas, e, por conseqüência, uma condição de existência mais feliz. A Lua e Vênus estão quase no mesmo grau e, sob todos os aspectos, mais avançados do que Mercúrio e Saturno. Juno (Juno é o nome de uma divindade itálica. Deve ter ocorrido um lapso do autor, uma vez que não ha, no nosso sistema solar, nenhum planeta com este nome. N. do T.) e Urano seriam ainda superiores a esses últimos. Pode-se supor que os elementos morais, desses dois planetas, são formados das primeiras classes da terceira ordem e, na grande maioria, de Espíritos da segunda ordem. Os homens, neles, são infinitamente mais felizes do que sobre a Terra, pela razão de que não têm nem as mesmas lutas a sustentar, nem as mesmas tribulações a suportar, e não estão expostos às mesmas vicissitudes físicas e morais.
De todos os planetas, o mais avançado, sob todos os aspectos, é Júpiter. Ali, é o reino exclusivo do bem e da justiça, porque não há senão bons Espíritos. Pode-se fazer um idéia do feliz estado dos seus habitantes pelo quadro que demos do mundo habitado sem a participação dos Espíritos da segunda ordem.
A superioridade de Júpiter não está somente no estado moral dos seus habitantes; está, também, na sua constituição física. Eis a descrição que nos foi dada, desse mundo privilegiado, onde encontramos a maioria dos homens de bem que honraram nossa Terra pelas suas virtudes e seus talentos.
A conformação dos corpos é quase a mesma desse mundo, mas é menos material, menos denso e de uma maior leveza específica. Ao passo que rastejamos penosamente na Terra, o habitante de Júpiter se transporta, de um lugar para outro, roçando a superfície do solo, quase sem fadiga, como o pássaro no ar ou o peixe na água. Sendo a matéria, da qual o corpo está formado, mais depurada, ela se dissipa, depois da morte, sem ser submetida à decomposição pútrida. Ali não existe a maioria das enfermidades que nos afligem, sobretudo aquelas que têm sua fonte nos excessos de todos os gêneros e na desordem causada pelas paixões. A alimentação está em relação com essa organização etérea; não seria bastante substanciosa para os nossos estômagos grosseiros, e a nossa seria muito pesada para eles; ela se compõe de frutas e plantas, e, aliás, haurem, de algum modo, a maior parte do meio ambiente do qual aspiram as emanações nutritivas. A duração da vida é, proporcionalmente, muito maior que sobre a Terra; a média equivale a cinco dos nossos séculos. O desenvolvimento também é muito mais rápido, e a infância dura apenas alguns de nossos meses.
Sob esse envoltório leve, os Espíritos se desligam facilmente e entram em comunicação recíproca unicamente pelo pensamento, sem excluir, todavia, a linguagem articulada; também a segunda vista é, para a maioria uma faculdade permanente; seu estado normal pode ser comparado ao dos nossos sonâmbulos lúcidos; é também porque se manifestam, a nós, mais facilmente do que aqueles que estão encarnados em mundos mais grosseiros e mais materiais. A intuição que têm do futuro, a segurança que lhes dá uma consciência isenta de remorsos, fazem com que a morte não lhes cause nenhuma apreensão; vêem-na chegar sem medo e como uma simples transformação.
Os animais não estão excluídos desse estado progressivo, sem se aproximarem, entretanto, do homem, mesmo sob o aspecto físico; seus corpos, mais materiais ligam-se ao solo, como nós à Terra. Sua inteligência ó mais desenvolvida do que nos nossos; a estrutura dos seus membros se dobra a todas exigências do trabalho; são encarregados da execução de obras manuais; são os servidores e os operários: as ocupações dos homens são puramente intelectuais. O homem é, para eles, uma divindade, mas uma divindade tutelar que jamais abusa do seu poder para oprimi-los.
Os Espíritos que habitam Júpiter, geralmente, se comprazem, quando querem se comunicar conosco na descrição do seu planeta, e quando se lhes pergunta a razão, respondem que é a fim de nos inspirar o amor ao bem pela esperança de, para lá, ir um dia. Foi com esse objetivo que um deles, que viveu na Terra com o nome de Bernard Palissy, o célebre oleiro do décimo sexto século, empreendeu, espontaneamente e sem ser solicitado para isso, uma série de desenhos tão notáveis, tanto pela sua singularidade quanto pelo talento da execução, e destinado a nos dar a conhecer, até nos menores detalhes, esse mundo tão estranho e tão novo para nós. Alguns retratam personagens, animais, cenas da vida privada; mas, os mais notáveis, são aqueles que representam habitações, verdadeiras obras-primas das quais nada sobre a Terra poderia nos dar uma idéia, porque essa não parece com nada do que conhecemos; é um gênero de arquitetura indescritível, tão original e, no entanto, tão harmoniosa, de uma ornamentação tão rica e tão graciosa, que desafia a mais fecunda imaginação. O senhor Victorien Sardou, jovem literato e dos nossos amigos, cheio de talento e de futuro mas em nada desenhista, lhes serviu de intermediário. Palissy nos promete uma série que nos dará, de algum modo, a monografia ilustrada desse mundo maravilhoso. Esperamos que essa curiosa e interessante coletânea sobre a qual voltaremos num artigo especial consagrado aos médiuns desenhistas, poderá ser, um dia, entregue ao público.
O planeta Júpiter, apesar do quadro sedutor que dele nos foi dado, não é o mais perfeito entre os mundos. Há outros, desconhecidos para nós, que lhes são bem superiores, no físico e no moral, e cujos habitantes gozam de uma felicidade ainda mais perfeita; lá é a morada dos Espíritos mais elevados, cujo envoltório etéreo nada mais tem das propriedades conhecidas da matéria.
Várias vezes, perguntaram-nos se pensamos que a condição do homem nesse mundo é um obstáculo absoluto a que pudesse passar, sem intermediário, da Terra para Júpiter. A todas as questões que tocam à Doutrina Espírita, jamais respondemos segundo as nossas próprias idéias, contra as quais estamos sempre desconfiando. Limitamo-nos a transmitir o ensinamento que nos foi dado, ensinamento que não aceitamos com leviandade e com um entusiasmo irrefletido. À questão acima, respondemos simplesmente, porque tal é o sentido formal das nossas instruções e o resultado das nossas próprias observações: SIM, o homem, deixando a Terra, pode ir imediatamente para Júpiter, ou para um mundo análogo, porque esse não é único dessa categoria. Pode-se disso ter a certeza? NÃO. Pode-se para lá ir porque há, sobre a Terra, embora em pequeno número, Espíritos bastante bons e bastante desmaterializados para não serem deslocados para um mundo onde o mal não tem acesso. Não há a certeza disso, porque pode-se se iludir sobre o mérito pessoal, e pode-se, aliás, ter uma outra missão a cumprir. Aqueles que podem esperar esse favor, não são, seguramente, nem os egoístas, nem os ambiciosos, nem os avaros, nem os ingratos, nem os ciumentos, nem os orgulhosos, nem os vaidosos, nem os hipócritas, nem os sensuais, nem nenhum daqueles que estão dominados pelo amor aos bens terrestres; a estes, talvez, seja preciso, ainda, longas e rudes provas. Isso depende de sua vontade.

sexta-feira, 8 de julho de 2011

Conhecimento de Si Mesmo


Autor: Allan Kardec
Questão 919 de O Livro dos Espíritos:
Qual o meio prático mais eficaz que tem o homem de se melhorar nesta vida e de resistir à atração do mal?
"Um sábio da antigüidade vo-lo disse: Conhece-te a ti mesmo."
a) - Conhecemos toda a sabedoria desta máxima, porém a dificuldade está precisamente em cada um conhecer-se a si mesmo. Qual o meio de consegui-lo?
"Fazei o que eu fazia, quando vivi na Terra: ao fim do dia, interrogava a minha consciência, passava revista ao que fizera e perguntava a mim mesmo se não faltara a algum dever, se ninguém tivera motivo para de mim se queixar. Foi assim que cheguei a me conhecer e a ver o que em mim precisava de reforma. Aquele que, todas as noites, evocasse todas as ações que praticara durante o dia e inquirisse de si mesmo o bem ou o mal que houvera feito, rogando a Deus e ao seu anjo de guarda que o esclarecessem, grande força adquiriria para se aperfeiçoar, porque, crede-me, Deus o assistiria. Dirigi, pois, a vós mesmos perguntas, interrogai-vos sobre o que tendes feito e com que objetivo procedestes em tal ou tal circunstância, sobre se fizestes alguma coisa que, feita por outrem, censuraríeis, sobre se obrastes alguma ação que não ousaríeis confessar. Perguntai ainda mais: "Se aprouvesse a Deus chamar-me neste momento, teria que temer o olhar de alguém, ao entrar de novo no mundo dos Espíritos, onde nada pode ser ocultado?"
"Examinai o que pudestes ter obrado contra Deus, depois contra o vosso próximo e, finalmente, contra vós mesmos. As respostas vos darão, ou o descanso para a vossa consciência, ou a indicação de um mal que precise ser curado.
"O conhecimento de si mesmo é, portanto, a chave do progresso individual. Mas, direis, como há de alguém julgar-se a si mesmo? Não está aí a ilusão do amor-próprio para atenuar as faltas e torná-las desculpáveis? O avarento se considera apenas econômico e previdente; o orgulhosos julga que em si só há dignidade. Isto é muito real, mas tendes um meio de verificação que não pode iludir-vos. Quando estiverdes indecisos sobre o valor de uma de vossas ações, inquiri como a qualificaríeis, se praticada por outra pessoa. Se a censurais noutrem, não na poderia ter por legítima quando fordes o seu autor, pois que Deus não usa de duas medidas na aplicação de Sua justiça. Procurai também saber o que dela pensam os vossos semelhantes e não desprezeis a opinião dos vossos inimigos, porquanto esses nenhum interesse têm. em mascarar a verdade e Deus muitas vezes os coloca ao vosso lado como um espelho, a fim de que sejais advertidos com mais franqueza do que o faria um amigo. Perscrute, conseguintemente, a sua consciência aquele que se sinta possuído do desejo sério de melhorar-se, a fim de extirpar de si os maus pendores, como do seu jardim arranca as ervas daninhas; dê balanço no seu dia moral para, a exemplo do comerciante, avaliar suas perdas e seus lucros e eu vos asseguro que a conta destes será mais avultada que a daquelas. Se puder dizer que foi bom o seu dia, poderá dormir em paz e aguardar sem receio o despertar na outra vida.
"Formulai, pois, de vós para convosco, questões nítidas e precisas e não temais multiplicá-las. Justo é que se gastem alguns minutos para conquistar uma felicidade eterna. Não trabalhais todos os dias com o fito de juntar haveres que vos garantam repouso na velhice? Não constitui esse repouso o objeto de todos os vossos desejos, o fim que vos faz suportar fadigas e privações temporárias? Pois bem! Que é esse descanso de alguns dias, turbado sempre pelas enfermidades do corpo, em comparação com o que espera o homem de bem? Não valerá este outro a pena de alguns esforços? Sei haver muitos que dizem ser positivo o presente e incerto o futuro. Ora, esta exatamente a idéia que estamos encarregados de eliminar do vosso íntimo, visto desejarmos fazer que compreendais esse futuro, de modo a não restar nenhuma dúvida em vossa alma. Por isso foi que primeiro chamamos a vossa atenção por meio de fenômenos capazes de ferir-vos os sentidos e que agora vos damos instruções, que cada um de vós se acha encarregado de espalhar. Com este objetivo é que ditamos O Livro dos Espíritos." SANTO AGOSTINHO.

Muitas faltas que cometemos nos passam despercebidas. Se, efetivamente, seguindo o conselho de Santo Agostinho, interrogássemos mais amiúde a nossa consciência, veríamos quantas vezes falimos sem que o suspeitemos, unicamente por não perscrutarmos a natureza e o móvel dos nossos atos. A forma interrogativa tem alguma coisa de mais preciso do que qualquer máxima, que muitas vezes deixamos de aplicar a nós mesmos. Aquela exige respostas categóricas, por um sim ou não, que não abrem lugar para qualquer alternativa e que são outros tantos argumentos pessoais. E, pela soma que derem as respostas, poderemos computar a soma de bem ou de mal que existe em nós.
Reflitamos.
Por: G.T.

sábado, 2 de julho de 2011

CONFISSÃO DE VOLTAIRE

 
Revista Espírita, setembro de 1859

Um dos nossos correspondentes de Boulogne, a propósito da entrevista de Voltaire e Frédéric, que publicamos no último número da Revista, nos dirige a seguinte, comunicação que aqui inserimos com tanto maior bom grado porque ela apresenta um lado eminentemente instrutivo do ponto de vista espírita. Nosso correspondente fá-la preceder de algumas reflexões que nossos leitores ficarão contentes por não omiti-las.
"Se jamais um homem, mais que um outro, deve sofrer os castigos eternos, esse homem é Voltaire. A cólera, a vingança de Deus persegui-lo-ão para sempre. Eis o que nos dizem os teólogos da velha escola.
"Agora que dizem os mestres da teologia moderna? Pode ocorrer, dizem, que desconheçais o homem, não menos que o Deus do qual falais; guardai para vós vossas baixas paixões de ódio e de vingança e não enlameais com elas vosso Deus. Se Deus se inquieta por esse pobre pecador, se toca o inseto, isso será para arrancar seu ferrão, para reconduzir a ele uma cabeça exaltada, um coração extraviado. Dizemos, além disso, que Deus sabe ler nos corações, de outro modo que vós, encontra ali o bem onde não encontrais senão o mal. Se dotou esse homem de um grande gênio, foi para o bem da raça, não para a sua infelicidade.
Que importam, pois, essas primeiras extravagâncias, esses passos de livre condutor entre vós? Uma alma dessa tempera não poderia, em quase nada, fazer outras: a mediocridade ser-lhe-ia impossível no que quer que fosse. Agora que está orientado, qual um potro indomável e jogou as patas e os dentes na sua pastagem terrestre, que vem a Deus como corcel dócil, mas sempre grande, soberbo para o bem tanto quanto fora para o mau. No artigo que segue, veremos por quais meios operou-se essa transformação; veremos nosso garanhão do deserto, a crina ainda alta, as narinas ao vento, fazer sua corrida através dos espaços do Universo. Foi que ali, ele, o pensamento soerguido, encontrou essa liberdade que era sua essência, e se deu a plenos pulmões dessa respiração de onde tirava sua vida! Que lhe aconteceu? Ele se perdeu, ele se confundiu; o grande pregador do nada enfim encontrou o nada, mas não como ele o compreendia; humilhado, decaído por si mesmo, ferido em sua pequenez, ele que se acreditava tão grande foi aniquilado diante de seu Deus; ei-lo com a face ao chão; espera sua sentença; essa sentença é:
Reabilita-te, meu filho, ou vai-te, miserável! Encontrar-se-á o veredito na comunicação que se segue.
"Esta confissão de Voltaire terá maior valor na Revista Espírita porque ela o mostra sob seu duplo aspecto. Vimos alguns Espíritos naturalistas e materialistas que, de cabeça alterada, tanto quanto seu mestre, mas sem ter seu coração, persistiam em glorificar-se em seu cinismo. Que estes permaneçam no inferno tanto quanto lhes agrada desafiar o céu, a zombar de tudo o que faz a felicidade do homem, é lógico, é seu lugar próprio; mas encontramos lógica também em que aqueles que reconhecem seus erros lhes recolham o fruto. Também, ter-se-á a bondade de crer que não nos pomos como apologistas do velho Voltaire; aceitamo-lo somente em seu novo papel e nos regozijamos com a sua conversão, a qual glorifica a Deus, e não pode deixar de impressionar profundamente aqueles que, hoje ainda, se deixam arrastar por seus escritos. Ali está o veneno, aqui está o antídoto.
"Esta comunicação, traduzida do inglês, foi extraída da obra do juiz Edmonds, publicada nos Estados Unidos. Ela toma a forma de uma conversação entre Voltaire e Wolsey, o célebre cardeal inglês do tempo de Henrique VIII. Dois médiuns foram impressionados separadamente para transmitirem esse diálogo."

Voltaire. - Que imensa revolução no pensamento humano ocorreu desde que deixei a Terra!

Wolsey. - Com efeito, essa infidelidade que censuráveis então, aumentou desmesuradamente desde aquela época. Não é que ela tenha maiores pretensões hoje, mas é mais profunda e mais universal, e ao menos que seja detida, ela ameaça tragar a Humanidade no
materialismo, mais do que o fez durante séculos.

Voltaire. - Infidelidade em quê e contra quem? Está na lei de Deus e do homem? Pretendes me acusar de infidelidade porque não me submeti aos estreitos preconceitos de seitas que me rodeavam? É que minha alma estava a pedir uma amplidão de pensamento, um raio de luz, além das doutrinas humanas. Sim, minha alma nas trevas tinha sede de luz.

Wolsey. - Também eu não quis falar senão da infidelidade que se vos imputava, e, ah! não sabeis que muito essa imputação vos pesa ainda. Eu me permito não vos censurar, mas vos dirigir as queixas, porque vosso desprezo pelas doutrinas de hoje, em tanto que estas não eram senão materiais e inventadas pelos homens, não poderiam lesar Espíritos semelhantes ao vosso. Mas essa mesma causa que agia sobre o vosso Espírito, operava igualmente sobre outros, os quais eram muito fracos e muito pequenos para alcançarem os mesmos resultados que vós. Eis, portanto, como aquilo que, em vós, não era senão uma negação dos dogmas dos homens, se traduzia nos outros em reino de Deus. Foi dessa fonte que se espalhou, com uma rapidez assustadora, a dúvida sobre o futuro do homem. Eis também porque o homem, limitando as suas aspirações a este único mundo, caiu cada vez mais no egoísmo e no ódio ao próximo. É a causa, sim, a causa desse estado de coisas que importa procurar porque uma vez encontrada, o remédio será comparativamente fácil. Dizei-me: conheceis essa causa?

Voltaire.- Minhas opiniões, tais como foram dadas ao mundo, foram marcadas, é verdade, por um sentimento de amargura e de sátira; mas, notai bem, quando eu tinha o Espírito importunado, por assim dizer, por uma luta interior. Eu olhava a Humanidade como me sendo inferior em inteligência e em penetração; não a via senão como marionetes que poderiam ser conduzidas por todo homem dotado de uma vontade forte, e me indignava por ver essa Humanidade que se arrogava uma existência imortal, estar repleta de elementos ignóbeis.
Era necessário, portanto, crer que um ser dessa espécie partira da Divindade, e que poderia, por sua medíocre mão, assenhorar-se da imortalidade? Essa lacuna entre duas existências tão desproporcionadas me chocava, e eu não podia preenchê-la. Eu não via senão o animal no homem, não o Deus.
Reconheço que, em alguns casos, minhas opiniões tiveram tendências deploráveis; mas tenho a convicção de que, em outros aspectos, tiveram o seu lado bom. Elas chegaram a reerguer várias almas que estavam degradadas na escravidão; elas quebraram as cadeias do pensamento e deram asas às grandes aspirações. Mas, ah! eu também, que planava tão alto, perdi-me como os outros.
Se em mim a parte espiritual estivesse tão desenvolvida quanto a parte material, raciocinaria com mais discernimento; mas confundindo-as, perdi de vista essa imortalidade da alma que eu procurava, e que não pedia mais do que encontrar; também, dominado que estava com a minha luta com o mundo, com isso cheguei, quase apesar de mim, a negar a existência de um futuro. A oposição que eu fazia às tolas opiniões e à cega credulidade dos homens, impeliam-me a negá-lo ao mesmo tempo, e a contrapor todo o bem que a religião cristã poderia fazer. Entretanto, por infiel que fosse, sentia que era superior aos meus adversários; sim, bem além da importância de sua inteligência; a bela face da Natureza revelava-me o Universo, inspirava-me o sentimento de uma vaga veneração, misturado ao desejo de uma liberdade ilimitada, sentimento que jamais estes experimentaram, agachados que estavam nas trevas da escravidão.
Minhas obras têm, portanto, seu lado bom, porque sem elas o mal que viria para a Humanidade poderia ser pior, sem oposição nenhuma. Vários homens não quiseram mais a sua subjugação; muitos deles se libertaram, e se o que eu preguei lhes deu um único pensamento elevado, ou lhes fez dar um único passo no caminho da ciência, não foi abrir-lhes os olhos quanto à sua verdadeira condição? O que eu lamento é ter vivido tanto tempo na Terra sem saber o que poderia ser, e o que poderia fazer. O que eu não faria, se fosse abençoado com as luzes do Espiritismo, que despertam hoje no Espírito dos homens!
Incrédulo e incerto entrei no mundo dos Espíritos. Só minha presença bastava para banir todo vislumbre de luz que pudesse esclarecer minha alma obscurecida; fora a parte material de meu ser que se desenvolveu na Terra; quanto à parte espiritual, ela se perdera no meio de meus descaminhos procurando a luz; ela se achava presa como numa jaula de ferro.
Altivo e zombador, eu aí iniciava, não conhecendo, nem me importando em conhecer, esse futuro que tanto combatera quando no corpo. Mas fazemos aqui esta confissão: sempre encontrei, em minha alma, uma pequena voz que se fazia ouvir através das barreiras materiais, e que pedia a luz. Era uma luta incessante entre o desejo de saber e uma obstinação em não saber. Assim, pois, minha entrada ficou longe de ser agradável, não vinha descobrir a falsidade, a coisa nenhuma das opiniões que sustentara com toda a força de minhas faculdades? O homem se achava imortal, afinal de contas, eu não poderia deixar de ver e deveria existir um Deus, um Espírito imortal, que estava acima e que governava esse espaço ilimitado que me rodeava.
Como eu viajasse sem cessar, sem me conceder nenhum repouso, a fim de me convencer que isso poderia muito bem, ainda, ser um mundo material, ali onde eu estava, minha alma lutou contra a verdade que me esmagava! Não pude me realizar como Espírito que acabara de deixar sua morada mortal! Não tive aí ninguém com quem pudesse entabular relações, porque recusara a imortalidade a todos. Não existia repouso para mim: eu estava sempre errante e incerto; o Espírito em mim, tenebroso e amargo, talhado do maníaco, impossibilitado de seguir alguma coisa ou deter-se.
Foi, eu o digo, zombador e desconfiado que abordei o mundo espírita. Primeiro fui conduzido para longe das habitações dos Espíritos, e percorri o espaço imenso. Em seguida, me foi permitido lançar os olhos sobre as construções maravilhosas das moradas espíritas e, com efeito, elas me pareceram surpreendentes; fui impelido, aqui e ali, por uma força irresistível; tive que ver, e ver até que minha alma transbordasse pelos esplendores, e derrotada diante do poder que controlava tais maravilhas. Enfim, quis me esconder e me agachar no oco das rochas, mas não pude.
Foi nesse momento que meu coração começou a sentir a necessidade de se expandir; uma associação qualquer tornou-se urgente, porque eu queimava para dizer o quanto fora induzido ao erro, não por outros, mas pelos meus próprios sonhos. Não me restava mais a ilusão quanto à minha importância pessoal, porque eu não sentia senão muito o quanto era pouca coisa nesse grande mundo dos Espíritos. Estava, enfim, de tal modo caído de desgosto e de humilhação, que me foi permitido juntar-me a alguns dos habitantes. Foi dali que pude
contemplar a posição que me fizera na Terra, e o que disso resultou, para mim no mundo espírita. Eu vos deixo o acreditar se essa apreciação foi-me risonha.
Uma revolução completa, um transtorno total ocorreu no meu organismo espírita, e professor que fora, tornei-me o mais ardente aluno. Com a expansão intelectual que trazia comigo, quanto progresso fiz! Minha alma se sentia iluminada e abraçada pelo amor divino; suas aspirações rumo à imortalidade, de comprimidas que estavam, tomaram impulsos gigantescos. Eu via o quanto meus erros foram grandes, e o quanto a reparação a fazer deveria ser grande para expiar tudo o que fizera ou dissera, que pudera seduzir e enganar a
Humanidade. Como são magníficas essas lições da sabedoria e da beleza celestes! Elas ultrapassam tudo o que imaginara na Terra.
Em resumo, vivi bastante para reconhecer, na minha existência terrestre, uma guerra encarniçada entre o mundo e a minha natureza espiritual. Lamentei profundamente as opiniões que promulguei e que deveram desencaminhar muitos do mundo; mas, ao mesmo tempo, foi penetrado de gratidão pelo Criador, o infinitamente sábio, que eu me sinto haver sido um instrumento com ajuda do qual os Espíritos dos homens puderam se portar na direção do exame e do progresso.

Nota. Não acrescentaremos nenhuma reflexão nesta comunicação, da qual cada um apreciará a profundeza e alta importância e onde se encontra toda a superioridade do gênio. Nunca talvez um quadro mais grandioso e mais impressionante foi dado do mundo espírita, e da influência das idéias terrestres sobre as idéias de além-túmulo. Na conversa que publicamos no nosso último número, encontramos o mesmo fundo de pensamentos, embora menos desenvolvidos e, sobretudo, menos poeticamente exprimidos. Aqueles que não se apegam senão à forma dirão, sem dúvida, que não reconhecem o mesmo Espírito nessas duas comunicações, e que a última, sobretudo, não lhes pareça à altura de Voltaire; de onde concluirão que uma das duas não é dele.
Seguramente, quando nós o chamamos, ele não nos trouxe sua certidão de nascimento, mas quem veja abaixo da superfície, será tocado pela identidade de vistas e de princípios que existe entre essas duas comunicações, obtidas em épocas diversas, a uma tão grande distância, e em línguas diferentes. Se o estilo não for o mesmo, não há contradição no pensamento, e é o essencial. Mas se foi o mesmo Espírito que falou nessas duas comunicações, por que foi tão explícito, tão poético numa, ao passo que foi tão lacônico, tão vulgar na outra? Fora preciso não estudar os fenômenos espíritas para disso não se dar conta. Isso prende-se à mesma causa que faz que o mesmo Espírito dê formosas poesias por um médium, e não possa ditar um único verso por um outro. Conhecemos médiuns que não são poetas, pelo menos do mundo, e que obtêm versos admiráveis, como há outros que jamais aprenderam a desenhar e que fazem em desenho coisas maravilhosas. É necessário, pois, reconhecer que, abstração feita das qualidades intelectuais, há nos médiuns aptidões especiais que os tornam, para certos Espíritos, instrumentos mais ou menos flexíveis, mais ou menos cômodos. Dizemos para certos Espíritos, porque os Espíritos têm também suas preferências, fundadas sobre razões que nem sempre conhecemos; assim, o mesmo Espírito será mais ou menos explícito, segundo o médium que lhe sirva de intérprete, e sobretudo segundo o hábito que tem dele servir-se; porque é certo, por outro lado, que um Espírito que se comunica freqüentemente pela mesma pessoa o faz com maior facilidade que aquele que vem pela primeira vez. O impulso do pensamento, portanto, pode ser entravado por uma multidão de causas, mas quando é o mesmo Espírito, o fundo do pensamento é o mesmo, embora a forma seja diferente, e o observador um pouco atento reconhece-lo-á facilmente em certos traços característicos. Narraremos, a esse respeito, o fato seguinte:
O Espírito de um soberano, que desempenhou no mundo um papel importante, chamado em uma de nossas reuniões, iniciou por ato de cólera rasgando o papel e quebrando o lápis. Sua linguagem esteve longe de ser benevolente, porque se achava humilhado por vir entre nós, e
perguntou se acreditávamos que ele deveria se abaixar para nos responder. Conviu, entretanto, que, se o fazia, era como constrangido e forçado por uma força superior à sua; mas se isso dependesse dele não o faria. Um dos nossos correspondentes da África, que não tinha nenhum conhecimento do fato, escreveu-nos que, em uma reunião da qual fazia parte, quiseram evocar o mesmo Espírito. Sua linguagem foi sob todos os pontos idêntica: "Credes, disse ele, que se fosse voluntariamente, viria aqui, nesta casa de negociantes, que talvez um dos meus súditos não gostaria de morar? Eu não vos respondo; isso me lembra meu reino onde era tão feliz; eu tinha autoridade sobre todas as minhas gentes, agora é necessário que eu seja submisso." O Espírito de uma rainha que, durante sua vida, não se distinguiu pela bondade, respondeu no mesmo círculo: "Não me interrogueis mais, pois me aborreceis; se tivesse ainda o poder que tive na Terra, vos faria muito se arrependerem, mas zombais de mim, da minha miséria, agora que não posso nada sobre vós; sou bem infeliz!" - Não está aí um curioso estudo de costumes espíritas?


texto - Revista Espírita, set.1859

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Quando o Mundo Despertou

 
Embora os fenômenos sempre fossem abundantes, havia um total desconhecimento das leis da natureza e as ações do plano divino eram tomadas por sobrenaturais. Tudo muito místico e apavorante. Com a chegada do Espiritismo, iniciado na obra que conhecemos como “O Livro dos Espíritos”, tudo passou a ser natural e analisado pela lógica do pensamento. Evidentemente, dentro das possibilidades de cada um, ainda restritos que somos pelas limitações humanas.

O pouco que já sabemos, contudo, enaltece e explica a assertiva de Jesus que nos orientou dizendo que o conhecimento da verdade seria a libertação. Por isso cientistas do porte de Isaac Newton dizem que “o que sabemos é uma gota e o que ignoramos é um oceano”.

Com a chegada do Espiritismo, apesar das limitações que nos impedem a sua total compreensão, sabemos, ao menos, que Deus não comete injustiças e que ninguém no solo do planeta está pagando dívidas que não contraiu. Cada um deve ressarcir a lei individualmente, para quitar suas contas passadas e incorporá-las como experiência de aprendizado, a verdadeira sabedoria que o homem conquista e que quase nunca pode ser obtida nos bancos acadêmicos. Esses dão a informação, o conhecimento, mas não a sapiência, porque ela é produto da experimentação pessoal e cada um deve buscá-la por si próprio.

Com as revelações espíritas, a pânico da morte foi amenizado, embora ainda não estejamos em condições de compreendê-la por inteiro. Mas a morte, como perda do bem mais precioso – a vida – e a separação definitiva daqueles a quem amamos, já é crença do passado. A morte espírita é o prêmio que recebemos por cumprir a pena que nos competia no vale das aflições purificadoras neste purgatório da encarnação. É o final da pena da clausura que nos dá direito à liberdade. Numa expressão comum, é a volta para casa depois de perigosa viagem ao covil dos habitantes dos mundos atrasados.

Com a chegada do Espiritismo, passamos a ser o primeiro herdeiro de nossa herança, o primeiro médico para a nossa doença e o primeiro doutrinador para as nossas perturbações espirituais. A função do Espiritismo, basicamente, é o combate ao materialismo, para que possamos produzir com os bens da Terra os tesouros do céu, aquele que o ladrão não rouba. O nosso real acervo e a nossa verdadeira propriedade, conforme consta do capítulo XVI, item 9 de “O Evangelho Segundo o Espiritismo”.

Com a chegada do Espiritismo, riqueza e pobreza, inteligência e idiotia, beleza e fealdade passaram a ser simples conseqüências de encarnações que já vivemos, nas quais fomos descuidados quanto ao que nos competia no progresso individual e também no coletivo. Como herança do passado, vivemos o presente. Tomara tenhamos cuidado para fazer do presente um mais agradável futuro.

Ao aprender que somos um espírito eterno que nada pode destruir, e que todo o conhecimento que acumulamos é patrimônio inalienável e jamais nos será tirado, seja qual for o regime de governo, a luta vale mais a pena e deve ir até o último dia de vida na matéria, independente dos obstáculos a serem vividos. Se conseguirmos adquirir uma virtude nesta encarnação, por exemplo, a paciência, seremos criaturas pacientes por toda a eternidade.

A confirmação do que dizemos está na questão 894 de “O Livro dos Espíritos”. Quando indagaram dos superiores: “As pessoas que fazem o bem espontaneamente, sem que tenham de lutar contra nenhum sentimento contrário, têm o mesmo mérito que as que têm de lutar contra sua própria natureza e superá-la?, a resposta foi que “Só não precisam lutar os que já progrediram; lutaram anteriormente e triunfaram. Por isso os bons sentimentos não lhes custam nenhum esforço e suas ações parecem tão simples; para eles, o bem se tornou um hábito. “Portanto, deve-se honrá-los como a velhos guerreiros que conquistaram suas graduações”.

“Como vocês ainda estão longe da perfeição, esses exemplos os assustam pelo contraste e tanto mais admiram quanto mais raros são. No entanto, saibam que nos mundos mais adiantados que o seu o que entre vocês é exceção lá é regra. Nos mundos adiantados, o sentimento do bem se encontra por toda parte, de maneira espontânea, porque são mundos habitados apenas por Espíritos bons e uma única má intenção seria uma monstruosa exceção. Esta é a razão porque lá os homens são felizes. E assim será a Terra quando a humanidade for transformada e quando compreender e praticar a caridade em sua verdadeira acepção.”

Aprendemos que nossos erros são nosso carrasco e nossos acertos o nosso advogado no dia do julgamento final, independente das alegrias ou problemas que nos causem já nesta mesma encarnação. Para quem não acredita na continuidade da vida e na necessidade da volta reparatória pelo verdadeiro perdão de Deus que é a reencarnação, o caminho é mais penoso, embora todos um dia compreenderão essas verdades porque têm no íntimo de sua alma a centelha que os identifica como filhos do Criador. Para nós, todavia, o caminho pode ser mais suave se além de crermos nos decidirmos a viver de acordo com o que já conhecemos.

18 de abril de 1857, data da proclamação da independência da humanidade.

Ninguém mais está preso a algo que não queira, a menos que insista em sofrer apesar de toda a liberdade que tem para ser feliz. O missionário francês que fez a ligação entre Deus e os homens, com a intermediação dos Espíritos Superiores, num gesto de humildade usou o pseudônimo Allan Kardec para assinar “O Livro dos Espíritos”, esta extraordinária obra que é a carta de alforria para todas as criaturas. Que Deus o abençoe e o recompense.

Autor: Octávio Caúmo Serrano
Publicado em Abril de 2010 – Revista RIE – Revista Internacional de Espiritismo