O termo incorporação de acordo com o dicionário Houaiss é o ato ou efeito de incorporar-se, significa a inclusão de um elemento em outro. Significa a encarnação, a corporação, a materialização e em algumas regiões o transe mediúnico. Incorporar vem do latim incorporatio que significa incorporação ou encarnação.
Popularmente se fala em incorporação com o sentido de um espírito entrar num corpo de outra pessoa e usa-lo para se manifestar, no filme Ghost há uma cena que demonstra claramente esta ideia, é quando a Atriz Whoopi Goldman esta no papel de médium, sentada em uma cadeira e os espíritos para se comunicarem tem que sentar ‘dentro’ do corpo dela.
Kardec não usou o termo incorporação, porém este termo foi introduzido em três de suas obras pelos tradutores substituindo o termo em francês de médium falante:
- No O Evangelho segundo o Espiritismo:
“O Espiritismo vem revelar outra categoria de falsos cristos e de falsos profetas, bem mais perigosa, e que não se encontra entre os homens, mas entre os desencarnados. E a dos Espíritos enganadores, hipócritas, orgulhosos e pseudosabios, que passaram da Terra para a erraticidade, e se disfarçam com nomes veneráveis, para procurar, atrás da mascara que usam, tornar aceitáveis as suas ideias, frequentemente as mais bizarras e absurdas. Antes que as relações mediúnicas fossem conhecidas, eles exerciam a sua ação de maneira menos ostensiva pela inspiração, pela mediunidade inconsciente, auditiva ou de incorporação”.
“Le spiritisme vient révéler une autre catégorie bien plus dangereuse de faux Christs et de faux prophètes, qui se trouvent, non parmi les hommes, mais parmi les désincarnès: c'est celle des Esprits trompeurs, hypocrites, orgueilleux et faux savants qui, de la terre, sont passes dans l'erraticité, et se parent de noms vénérés pour chercher, à la faveur du masque dont ils se couvrent, à accréditer les idées souvent les plus bizarres et les plus absurdes. Avant que lês rapports médianimiques fussent connus, ils exerçaient leur action d'une manière moins ostensible, par l'inspiration, la médiumnité inconsciente, auditive ou parlante”.
- Instruções Práticas sobre as Manifestações Mediúnicas
“A transmissão do pensamente dá-se também por intermédio do Espírito do médium, eu melhor, de sua alma, visto que designamos sob este nome o Espírito encarnado. O Espírito estranho, neste caso, não atua sobre a mão para fazê-la escrever, como não atua sobre a cesta. Ele não a segura, não a guia. Atua sobre a alma com a qual se identifica. A alma, sob este impulso, dirige a mão por meio do fluído que compõe seu próprio perispírito. A mão dirige a cesta e a cesta dirige o lápis. Notamos aqui coisa importante de ser registrada, que o Espírito estranho não se substitui a alma, pois não pode desalojá-la: ele a controla à revelia dela, imprimi-lhe sua vontade. Quando dizemos a revelia dela, queremos falar da alma atuando exteriormente pelos órgãos do corpo. Entretanto a alma, como Espírito, mesmo encarnado pode, perfeitamente, ter consciência da ação exercida sobre ela por um Espírito estranho. O papel da alma, nessa circunstância, é, algumas vezes, inteiramente passivo e então o médium, se é de incorporação, não tem nenhuma consciência do que escreve ou do que diz. Ocasionalmente, entretanto, a passividade não é absoluta; então ele tem uma consciência mais ou menos vaga, embora a mão seja arrastada por um movimento maquinal, ao qual a vontade permanece alheia”.
“La transmission de la pensée a aussi lieu par l'intermédiaire de l'Esprit du médium, ou mieux de son âme, puisque nous désignons sous ce nom l'Esprit incarné. L'Esprit étranger, dans ce cas, n'agit pas sur la main pour la faire écrire, pas plus que sur la corbeille ; il ne la tient pas, il ne la guide pas ; il agit sur l'âme avec laquelle il s'identifie. L'âme, sous cette impulsion, dirige la main au moyen du fluide qui compose son proper périsprit ; la main dirige la corbeille, et la corbeille dirige le crayon. Remarquons ici, chose importante à savoir, que l'Esprit étranger ne se substitue point à l'âme, car il ne saurait la déplacer : il la domine à son insu, il lui imprime sa volonté. Quand nous disons à son insu, nous voulons parler de l'âme agissant extérieurement par les organes du corps ; mais l'âme en tant qu'Esprit, même incarné, peut parfaitement avoir conscience de l'action exercée sur elle par un Esprit étranger. Lê rôle de l'âme, en cette circonstance, est quelquefois entièrement passif, et alors le médium n'a nulle conscience de ce qu'il écrit ou de ce qu'il dit, si c'est un médium parlante ; mais quelquefois la passivité n'est pas absolue, alors il en a une conscience plus ou moins vague, quoique sa main soit entraînée par un mouvement machinal et que sa volonté y reste étrangère”.
-O Livro dos Médiuns
“166. [...] Mas nem sempre a passividade do médium falante é assim completa. Há os que têm intuição do que estão dizendo, no momento em que pronunciam as palavras. Voltaremos a tratar desta variedade quando nos referirmos aos médiuns intuitivos (10)”.
”(10) Os médiuns falantes, chamados entre nós médiuns de incorporação, dividem-se assim nas duas classes conhecidas: médiuns conscientes e médiuns inconscientes. [...] (N. do T.)”.
O espírito que vai se unir a um corpo, encarnar, é sempre designado com antecedência, este escolhe a prova e pode também escolher o corpo, pois suas imperfeições são provas que o auxiliam em seu progresso espiritual, porém esta escolha nem sempre depende dele. Quando um espírito ainda não está pronto para realizar conscientemente a escolha, um corpo pode ser imposto como prova ou expiação.
A questão 345 do O Livro dos Espíritos nos traz uma informação importante: “A união entre o Espírito e o corpo é definitiva desde o momento da concepção? Durante esse período o Espírito poderia renunciar a tomar o corpo que lhe foi designado”?
Resposta: “A união é definitiva, no sentido em que outro Espírito não poderia substituir o que foi designado para o corpo, mas, como os laços que o prendem são mais frágeis, fáceis de romper, podem ser rompidos pela vontade do Espírito que recua ante a prova escolhida. Nesse caso, a criança não vinga".
Esta resposta é importante, pois demonstra claramente que um corpo biológico somente obedece a um espírito pré-determinado, se este não desejar reencarnar, mesmo antes do nascimento, outro não pode se utilizar deste corpo e com base nesta compreensão podemos entender a questão 473 do mesmo livro que fala sobre os possessos:
“473. Pode um Espírito, momentaneamente, revestir-se do invólucro de uma pessoa viva, quer dizer, introduzir-se num corpo animado e agir em substituição ao Espírito que nele se encontra encarnado?”
“- O Espírito não entra num corpo como entras numa casa; ele se assimila a um Espírito encarnado que tem os seus mesmos defeitos e as suas mesmas qualidades, para agir conjuntamente; mas é sempre o Espírito encarnado que age como quer sobre a matéria de que está revestido. Um Espírito não pode substituir ao que se acha encarnado, porque o Espírito e o corpo estão ligados até o tempo marcado para o termo da existência material”.
Se fosse possível um outro espírito substituir mesmo que parcialmente um espírito ainda encarnado estaria derrogando uma lei natural, por isso é importante compreender a ligação do espírito com o corpo. Na A Gênese podemos encontrar uma boa explicação de Kardec:
“18. Quando o Espírito deve se encarnar num corpo humano em vias de formação, um laço fluídico, que nada mais é senão uma expansão de seu perispírito, o liga ao germe em cuja direção ele se sente atraído por uma força irresistível desde o momento da concepção. À medida que o germe se desenvolve, firma-se o laço; sob influência do princípio vital material do germe, o perispírito, que possui certas propriedades da matéria, se une, molécula a molécula, ao corpo que o forma; daí se pode dizer que o Espírito, por intermédio de seu perispírito, de alguma forma toma raiz no germe como uma planta na terra. Quando o germe está inteiramente desenvolvido, a união é completa, e então ele nasce para a vida exterior”.
“Por efeito contrário, esta união do perispírito e da matéria carnal, que se havia realizado sob a influência do princípio vital do germe, quando esse princípio cessa de agir em resultado da desorganização do corpo, a união, que apenas era mantida por uma força atuante, cessa quando essa força cessa de agir; então o Espírito se solta, molécula por molécula, como um dia se uniu, e o Espírito recupera sua liberdade. Assim, não é a partida do Espírito que causa a morte do corpo, mas a morte do corpo que causa a partida do espírito”.
È preciso também compreender como ocorre a mediunidade falante e para isto buscamos o O Livro dos Médiuns:
[...] “Ao servir-se deles, os Espíritos agem sobre os órgãos vocais, como agem sobre as mãos nos médiuns escreventes. O Espírito se serve para a comunicação dos órgãos mais flexíveis que encontra no médium. De um empresta as mãos, de outro as cordas vocais e de um terceiro os ouvidos. O médium falante em geral se exprime sem ter consciência do que diz, e quase sempre tratando de assuntos estranhos às suas preocupações habituais, fora de seus conhecimentos e mesmo do alcance de sua inteligência”.
“Embora esteja perfeitamente desperto e em condições normais, raramente se lembra do que disse. Numa palavra, a voz do médium é apenas um instrumento de que o Espírito se serve e com o qual outra pessoa pode conversar com este, como o faz no caso de médium audiente”.
Como Kardec afirma que os espíritos agem da mesma forma que na psicografia, vamos compreender como é esta ação:
“O Espírito comunicante age sobre o médium; este, assim influenciado, move maquinalmente o braço e a mão para escrever, não tendo (pelo menos no comum dos casos) a menor consciência do que escreve [...]”.
Kardec perguntou aos espíritos: “O Espírito comunicante transmite diretamente o seu pensamento ou tem como intermediário o Espírito do médium”? Eles deram a seguinte resposta:
“- O Espírito do médium é o intérprete, porque está ligado ao corpo que serve para a comunicação e porque é necessária essa cadeia entre vós e os Espíritos comunicantes, como é necessário um fio elétrico para transmitir uma notícia à distância, e na ponta do fio uma pessoa inteligente que a receba e comunique”.
Coloco a seguir um trecho de um texto dado por dois espíritos superiores, Erasto e Timóteo:
“Qualquer que seja a natureza dos médiuns escreventes, mecânicos, semimecânicos ou simplesmente intuitivos, nossos processos de comunicação por meio deles não variam na essência. Com efeito, nossas comunicações com os Espíritos encarnados, diretamente, ou com os Espíritos propriamente ditos, se realizam unicamente pela irradiação do nosso pensamento”.
“Nossos pensamentos não necessitam das vestes da palavra para que os Espíritos os compreendam. Todos os Espíritos percebem o pensamento que desejamos transmitir-lhes, pelo simples fato de o dirigirmos a eles, e isso na razão do grau de suas faculdades intelectuais. [...] o Espírito encarnado que nos serve de médium é mais apropriado para transmitir o nosso pensamento a outros encarnados, embora não o compreenda, o que um Espírito desencarnado, mas pouco adiantado não poderia fazer, se fôssemos obrigados à sua mediação. Porque o ser terreno põe o seu corpo, como instrumento, à nossa disposição, o que o Espírito errante não pode fazer”.
Se para um Espírito superior se comunicar com um espírito encarnado é necessário que um médium seja interprete por ainda estar ligado ao corpo, atuando como fio elétrico entre emissor e receptor, por que numa possessão ele pode atuar sem o fio condutor?
Não é possível para o espírito encarnado simplesmente se libertar, mesmo que parcialmente, de seu corpo, pois como Kardec colocou na A Gênese o espírito é atraído por uma força irresistível.
Numa possessão como Kardec afirma o espírito se apodera do corpo, mas isto não quer dizer que ele o controla diretamente como se nele estivesse encarnado, mas ele tem o domínio do corpo através do perispírito do encarnado, como ocorre na mediunidade. Se a possessão for de um espírito bom o encarnado lhe cede o controle voluntariamente como o faz um médium, mas se a possessão for feita por um espírito mau, ela ocorre pela ausência de força moral do possuído para resistir à dominação.
O termo incorporação pode não ser adequado à mediunidade falante nem ao processo possessivo. Ele tem como melhor significado o ato de se ligar ao corpo material, ou seja, é na verdade sinônimo de encarnação.
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