Caravana da Fraternidade

Caravana da Fraternidade
Francisco Spinelli

sexta-feira, 30 de dezembro de 2011

Resposta ao requerimento dos Espíritas de Lyon por ocasião do ano novo

(publicado na Revista Espírita, fevereiro de 1862)
Meus caros irmãos e amigos de Lyon,
O requerimento coletivo que consentis em me enviar, por ocasião do ano novo, causou-me bem viva satisfação, provando-me que conservais uma boa lembrança de mim; mas o que me deu mais prazer nesse ato espontâneo de vossa parte foi encontrar, entre as numerosas assinaturas que ali figuram, representantes de quase todos os grupos, porque é um sinal da harmonia que reina entre eles. Estou feliz em ver que compreendestes perfeitamente o objetivo desta organização da qual já podeis apreciar os resultados, porque deve estar evidente agora, para vós, que uma Sociedade única teria sido quase impossível.
Eu vos agradeço, meus bons amigos, pelos votos que formulais por mim; eles me são tanto mais agradáveis quanto sei que partem do coração, e são aqueles que Deus escuta. Ficai, pois, satisfeitos, porque Ele os atende cada dia, dando-me a alegria inaudita no estabelecimento de uma nova doutrina, de ver aquela a que me devotei crescer e prosperar, enquanto vivo, com uma maravilhosa rapidez. Considero como um grande favor do céu ser testemunha do bem que ela já fez. Esta certeza, da qual recebo diariamente os mais tocantes testemunhos, me paga com usura todas as minhas dificuldades e todas as minhas fadigas; não peço a Deus senão uma graça, que é a de me dar a força física necessária para ir até o fim de minha tarefa, que está longe de ser terminada; mas, o que quer que ocorra, terei sempre o consolo de estar seguro de que a semente das idéias novas, agora difundida por toda parte, é imperecível; mais feliz do que muitos outros, que não trabalharam senão para o futuro, foi-me dado ver-lhe os primeiros frutos. Se uma coisa lamento, é que a exigüidade de meus recursos pessoais não me permita pôr em execução os planos que concebi para o seu adiantamento ainda mais rápido; mas se Deus, em sua sabedoria, acreditou dever isso decidir de outro modo, legarei esses planos aos meus sucessores que, sem dúvida, serão mais felizes. Apesar da penúria dos recursos materiais, o movimento que se opera na opinião superou toda esperança; crede bem, meus irmãos, que nisso vosso exemplo não terá sido sem influência. Recebei, pois, nossas felicitações pela maneira pela qual sabeis compreender e praticar a Doutrina. Sei o quanto são grandes as provas que muitos dentre vós tereis que suportar; só Deus lhes conhece o fim neste mundo; mas também que força a fé no futuro dá contra a adversidade! Oh! lamentai aqueles que crêem no nada depois da morte, porque para eles o mal presente não tem compensação. O incrédulo infeliz é como o doente que não espera nenhuma cura; o Espírita, ao contrário, é como aquele que está doente hoje e que sabe que amanhã estará bem.
Pedis a mim para vos continuar com meus conselhos; eu os dou de boa vontade àqueles que crêem deles ter necessidade e que os reclamam; mas não os dou senão àqueles; aos que pensam deles saber bastante e poder abster-se das lições da experiência, nada tenho a dizer, senão que desejo que não tenham a se lamentar um dia por terem muito presumido de suas próprias forças. Essa pretensão, aliás, acusa um sentimento de orgulho, contrário ao verdadeiro espírito do Espiritismo; ora, pecando pela base, provam só por isso que se afastam da verdade. Não sois desse número, meus amigos, e é por isso que aproveito a circunstância para vos dirigir algumas palavras que vos provarão que, de longe como de perto, estou inteiramente ao vosso dispor.
No ponto em que hoje as coisas estão, e ao ver a marcha do Espiritismo através dos obstáculos semeados sobre o seu caminho, pode-se dizer que as principais dificuldades estão vencidas; ele tomou seu lugar e está assentado sobre bases que desafiam, doravante, os esforços de seus adversários. Pergunta-se como uma doutrina que nos torna felizes e melhores, pode ter inimigos; isso é muito natural: o estabelecimento das melhores coisas, no começo, fere sempre interesses; não foi assim com todas as invenções e descobertas que fizeram revolução na indústria? As que hoje são olhadas como benefícios, sem as quais não se poderia mais se passar, não tiveram inimigos obstinados? Toda lei que reprime os abusos não tem contra si aqueles que vivem dos abusos? Como quereríeis que uma doutrina que conduz ao reino da caridade efetiva não seja combatida por todos aqueles que vivem do egoísmo; e sabeis o quanto são estes numerosos sobre a Terra! No princípio, esperaram matá-la pela zombaria; hoje vêem que essa arma é impotente, e que sob o fogo constante dos sarcasmos continuou seu caminho sem tropeçar; não credes que eles irão se confessar vencidos; não, o interesse material é mais tenaz; reconhecendo que é uma força com a qual, doravante, é preciso contar, vão lhe travar assaltos mais sérios, mas que não servirão senão para melhor provar sua fraqueza. Uns atacarão abertamente, em palavras e em ações, e a perseguirão até na pessoa de seus adeptos, que tentarão desencorajar à força de tormentos, ao passo que outros, ocultamente e por caminhos deturpados, procurarão miná-la surdamente. Tende, pois, por advertidos de que a luta não terminou. Estou prevenido de que vão tentar um supremo esforço; mas não tenhais medo; a garantia do sucesso está nesta divisa, que é a de todos os verdadeiros Espíritas: Fora da caridade não há salvação. Arvorai-a claramente, porque ela é a cabeça de Medusa para os egoístas.
A tática já usada pelos inimigos dos Espíritas, mas que vão empregar com um novo ardor, é a de tentar dividi-los, criando sistemas divergentes e suscitando entre eles a desconfiança e a inveja. Não vos deixeis prender na armadilha, e tende por certo que quem procura, por um meio qualquer que seja, romper a boa harmonia, não pode ter uma boa intenção. É por isso que vos convido a colocardes a maior circunspecção na formação de vossos grupos, não somente para vossa tranqüilidade, mas no próprio interesse de vossos trabalhos.
A natureza dos trabalhos espíritas exige a calma e o recolhimento; ora, não há recolhimento possível se se distrai por discussões e a expressão de sentimentos malévolos. Não haverá sentimentos malévolos, se houver fraternidade; mas não pode aí haver fraternidade com egoístas, ambiciosos e orgulhosos. Com orgulhosos que se melindram e se ofendem com tudo, ambiciosos que estarão frustrados se não tiverem a supremacia, egoístas que não pensam senão neles, a discórdia não pode tardar a se introduzir e, daí, a dissolução. É o que querem nossos inimigos, e é o que procurarão fazer. Se um grupo quer estar em condições de ordem, de tranqüilidade e de estabilidade, é preciso que nele reine um sentimento fraternal. Todo grupo ou sociedade que se forma sem ter a caridade efetiva por base, não tem vitalidade; ao passo que aqueles que serão fundados segundo o verdadeiro espírito da Doutrina se olharão como os membros de uma mesma família, que, não podendo todos habitar sob o mesmo teto, moram em lugares diferentes. A rivalidade entre eles seria um contra-senso; ela não poderia existir ali onde reina a verdadeira caridade, porque a caridade não pode se entender de duas maneiras. Reconhecereis, pois, o verdadeiro Espírita pela prática da caridade em pensamentos, em palavras e em ações, e dizei-vos que, quem nutre em sua alma sentimentos de animosidade, de rancor, de ódio, de inveja ou de ciúme mente a si mesmo se pretende compreender e praticar o Espiritismo.
O egoísmo e o orgulho matam as sociedades particulares, como matam os povos e a sociedade em geral. Lede a história, e vereis que os povos sucumbem sob o amplexo desses dois mortais inimigos da felicidade dos homens. Quando se apoiarem sobre as bases da caridade, serão indissolúveis, porque estarão em paz entre eles e com eles próprios, cada um respeitando os direitos e os bens de seu vizinho. É a era nova predita, da qual o Espiritismo é o precursor, e pela qual todo espírita deve trabalhar, cada um em sua esfera de atividade. É uma tarefa que lhes incumbe, e da qual serão recompensados segundo a maneira que a terão cumprido, porque Deus saberá distinguir aqueles que não terão procurado no Espiritismo senão a sua satisfação pessoal, daqueles que terão, ao mesmo tempo, trabalhado pela felicidade de seus irmãos.
Devo ainda vos assinalar uma outra tática de nossos adversários, que é a de procurar comprometer os espíritas, impelindo-os a se afastarem do verdadeiro objetivo da Doutrina, que é o da moral, para abordarem questões que não são de sua alçada, e que poderiam, a justo título, despertar suscetibilidades sombrias. Não vos deixeis, não mais, vos prender nesta armadilha; afastai com cuidado, em vossas reuniões, tudo o que tem relação com a política e com questões irritantes; as discussões sobre esse assunto não levariam a nada senão a vos suscitar embaraços, ao passo que ninguém pode achar de censurar a moral quando ela é boa. Procurai, no Espiritismo, o que pode vos melhorar, está aí o essencial; quando os homens forem melhores, as reformas sociais, verdadeiramente úteis, lhe serão a conseqüência muito natural; trabalhando para o progresso moral, possuireis os verdadeiros e os mais sólidos fundamentos de todos os melhoramentos, e deixais a Deus o cuidado de fazer as coisas chegarem a seu tempo. Oponde, pois, no próprio interesse do Espiritismo que é ainda jovem, mas que amadurece depressa, uma inabalável firmeza àqueles que procurarem vos arrastar num caminho perigoso.
Tendo em vista o descrédito do Espiritismo, alguns pretendem que ele vai destruir a religião. Sabeis, muito ao contrário, uma vez que a maioria entre vós que acreditáveis com dificuldade em Deus, e em sua alma, nisso crêem agora; que não sabiam o que era orar, e que oram com fervor; que não punham mais os pés nas igrejas, e que ali vão com recolhimento. Aliás, se a religião devesse ser destruída pelo Espiritismo, seria destrutível e o Espiritismo seria mais poderoso; dizê-lo seria uma imperícia, porque isso seria confessar a fraqueza de uma e a força do outro.
O Espiritismo é uma doutrina moral que fortalece os sentimentos religiosos em geral e se aplica a todas as religiões; ele é de todas, e não é de nenhuma em particular; é por isso que não diz a ninguém para mudá-la; deixa cada um livre para adorar a Deus à sua maneira, e observar as práticas que a sua consciência lhe dita, tendo Deus mais em conta a intenção do que o fato. Ide, pois, cada um nos templos de vosso culto, e provai com isso que o taxam de impiedade ou de calúnia.
Na impossibilidade material em que estou de manter relações com todos os grupos, peço a um de vossos confrades consentir em me representar, mais especialmente em Lyon, como o fiz alhures; foi o Sr. Villon, cujo zelo e devotamento vos são conhecidos, tão bem quanto a pureza de seus sentimentos. Sua posição independente lhe dá, além disso, mais lazer para a tarefa que consentiu de se encarregar; tarefa pesada, mas diante da qual não recuará. O grupo que formou em sua casa o foi sob meus auspícios e segundo minhas instruções, quando de minha última viagem; nele encontrareis excelentes conselhos e salutares exemplos. Verei, pois, com uma viva satisfação, todos aqueles que me honrarem com a sua confiança e nela se unirem como a um centro comum. Se alguns querem se apartar, guardai-vos de vê-los com maus olhos; se vos atiram a pedra, não a recolhais, nem a devolvais: entre eles e vós Deus será o juiz dos sentimentos de cada um. Que aqueles que crerem estar na verdade com a exclusão dos outros provem-no por uma maior caridade e uma maior abnegação do amor-próprio, porque a verdade não poderia estar do lado daquele que falta ao primeiro preceito da Doutrina. Se estais na dúvida, fazei sempre o bem: os erros do Espírito pesam menos na balança de Deus do que os erros do coração.
Repetirei aqui o que disse em outras ocasiões: em caso de divergência de opinião, há um meio fácil para sair da incerteza, é o de ver a que mais liga os partidários, porque há nas massas um bom senso inato que não poderia se enganar. O erro não pode seduzir senão alguns Espíritos cegos pelo amor-próprio e um falso julgamento, mas a verdade acaba sempre por se impor; tende, pois, por certo que ela abandona as classes que se esclarecem, e que há uma obstinação irracional em crer que um só tem razão contra todos. Se os princípios que eu professo não encontrassem senão alguns ecos isolados, e se fossem repelidos pela opinião geral, eu seria o primeiro a reconhecer que pude me enganar; mas vendo crescer, sem cessar, o número dos adeptos, em todas as classes da sociedade, e em todos os países do mundo, devo crer na solidez da base em que repousam; é por isso que vos digo, com toda a segurança, para marchardes com passo firme no caminho que vos está traçado; dizei aos vossos antagonistas que, se querem que os sigais, vos ofereçam uma doutrina mais consoladora, mais clara, mais inteligível, que melhor satisfaça à razão, e que seja, ao mesmo tempo, uma melhor garantia para a ordem social; frustrai, pela vossa união, os cálculos daqueles que quereriam vos dividir; provai, enfim, pelo vosso exemplo, que a Doutrina nos torna mais moderados, mais brandos, mais pacientes, mais indulgentes, e isso será a melhor resposta a dar aos seus detratores, ao mesmo tempo em que a visão de seus resultados benfazejos é o mais poderoso meio de propaganda.
Eis, meus amigos, os conselhos que vos dou e aos quais junto meus votos para o ano que começa. Não sei quais provas Deus nos destina para este ano, mas sei que, quaisquer que sejam, vós a suportareis com firmeza e resignação, porque sabeis que, para vós como para o soldado, a recompensa é proporcional à coragem.
Quanto ao Espiritismo, pelo qual vos interessais mais do que por vós mesmos, e do qual, pela minha posição, posso julgar, melhor do que ninguém, os progressos, estou feliz em vos dizer que o ano se abre sob os auspícios mais favoráveis, e que verá, sem nenhuma dúvida, o número dos adeptos crescer numa proporção impossível de se prever; ainda alguns anos como os que vêm de se escoar, e o Espiritismo terá por ele os três quartos da população. Deixai-me vos citar um fato entre mil.
Num departamento vizinho de Paris, há uma pequena cidade onde o Espiritismo penetrou há seis meses apenas. Em algumas semanas, tomou um desenvolvimento considerável; uma oposição formidável foi logo organizada contra os seus partidários, ameaçando mesmo seus interesses privados; tudo enfrentaram com uma coragem, um desinteresse dignos dos maiores elogios; entregaram-nos à Providência, e a Providência não lhes faltou. Essa cidade conta com uma população operária numerosa, na qual as idéias espíritas, graças à oposição que se lhe fez, fazem luz rapidamente; ora, um fato digno de nota é que as mulheres, as jovens esperaram seus presentes para se proporcionarem as obras necessárias à sua instrução, e foi por centenas que uma livraria foi encarregada de expedi-las só nessa cidade. Não é prodigioso ver simples operários reservarem suas economias para comprar livros de moral e de filosofia, antes que romances e bagatelas? Homens preferirem essa leitura às alegrias barulhentas e embrutecidas do cabaré? Ah! é que esses homens e essas mulheres, que sofrem como vós, compreendem agora que não é neste mundo que a sua sorte se cumpre; a cortina se levanta e eles entrevêem os esplêndidos horizontes do futuro. Essa pequena cidade é Chauny, no departamento do Aisne. Novas crianças na grande família, vos saúdam, irmãos de Lyon, como mais velhos, e formam doravante um dos anéis da corrente espiritual que já une Paris, Lyon, Metz, Sens, Bordeaux e outras, e que logo ligará todas as cidades do mundo num sentimento de mútua confraternização; porque por toda parte o Espiritismo lançou sementes fecundas, e seus filhos já se estendem as mãos acima das barreiras dos preconceitos de seitas, de castas e de nacionalidades.
Vosso muito devotado irmão e amigo,
Allan Kardec.

Os desejos de ano novo.


(Publicado na Revista Espírita, fevereiro de 1862)
Várias centenas de cartas nos foram dirigidas por ocasião do ano novo, e nos foi materialmente impossível responder a cada uma em particular; rogamos, pois, aos nossos honoráveis correspondentes aceitarem aqui a expressão de nossa sincera gratidão, pelos testemunhos de simpatia que consentiram em nos dar. Entre elas, no entanto, há uma que, por sua natureza, pedia uma resposta especial: é a dos espíritas de Lyon, revestida em torno de duzentas assinaturas.
Aproveitamo-la para juntar, a seu pedido, alguns conselhos gerais. A Sociedade Espírita de Paris, à qual disso demos conhecimento, tendo julgado que poderia ser útil a todo mundo, não somente nos convidou a publicá-la na Revista, mas a fazer-lhe a impressão separada para ser distribuída a todos os seus membros.
Todos aqueles que tiveram o obséquio de nos escrever consintam em tomar sua parte nos sentimentos de reciprocidade que aqui exprimimos, e que se dirigem, sem exceção, a todos os espíritas, franceses e estrangeiros, que nos honram com o título de seu chefe e de seu guia no novo caminho que lhes está aberto. Não é, pois, somente àqueles que nos escreveram, por ocasião do ano novo, que nos dirigimos, mas àqueles que nos dão, a cada instante, provas tão tocantes de seu reconhecimento pela felicidade e pelas consolações que haurem na Doutrina, e que nos levam em conta nossas dificuldades e nossos esforços para ajudar a sua propagação; a todos aqueles, enfim, que pensam que os nossos trabalhos valem alguma coisa na marcha progressiva do Espiritismo.
*
"A pureza de coração é inseparável da simplicidade e da humildade"
Allan Kardec

Discurso Pronunciado Junto ao Túmulo de Allan Kardec por Camille Flammarion


Voltaste a esse mundo donde viemos e colhes o fruto de teus estudos terrestres. Aos nossos pés dorme o teu envoltório, extinguiu-se o teu cérebro, fecharam-se-te os olhos para não mais se abrirem, não mais ouvida será a tua palavra... Sabemos que todos havemos de mergulhar nesse mesmo último sono, de volver a essa mesma inércia, a esse mesmo pó. Mas, não é nesse envoltório que pomos a nossa glória e a nossa esperança. Tomba o corpo, a alma permanece e retorna ao Espaço. Encontrar-nos-emos num mundo melhor e no céu imenso onde usaremos das nossas mais preciosas faculdades, onde continuaremos os estudos para cujo desenvolvimento a Terra é teatro por demais acanhado. (...) Até à vista, meu caro Allan Kardec, até à vista!"

sábado, 17 de dezembro de 2011

FÉ ESPÍRITA RACIOCINADA - DEUS




Allan Kardec
1. Há um Deus, inteligência suprema, causa primária de todas as coisas.
A prova da existência de Deus temo-la neste axioma:
Não há. efeito sem causa. Vemos constantemente uma imensidade de efeitos, cuja causa não está na Humanidade, pois que a Humanidade é impotente para produzi-los, ou, sequer, para os explicar. A causa está acima da Humanidade. É a essa causa que se chama Deus, Jeová, Alá, Brama, Fo-Hi, Grande Espírito, etc.
Tais efeitos absolutamente não se produzem ao acaso, fortuitamente e em desordem. Desde a organização do mais pequenino inseto e da mais insignificante semente, até a lei que rege os mundos que circulam no Espaço, tudo atesta uma idéia diretora, uma combinação, uma previdência, uma solicitude que ultrapassam todas as combinações humanas. A causa é, pois, soberana-mente inteligente.
2. Deus é eterno, imutável, imaterial, único, onipotente, soberanamente justo e bom.
Deus é eterno. Se tivesse tido começo, alguma coisa houvera existido antes dele, ou ele teria saído do nada, ou, então, um ser anterior o teria criado. É assim que, degrau a degrau, remontamos ao infinito na eternidade.
É imutável. Se estivesse sujeito à mudança, nenhuma estabilidade teriam as leis que regem o Universo.
É imaterial. Sua natureza difere de tudo o a que chamamos matéria, pois, do contrário, ele estaria sujeito às flutuações e transformações da matéria e, então, já não seria imutável.
É único. Se houvesse muitos Deuses, haveria muitas vontades e, nesse caso, não haveria unidade de vistas, nem unidade de poder na ordenação do Universo.
É onipotente, porque é único. Se ele não dispusesse de poder soberano, alguma coisa ou alguém haveria mais poderoso do que ele; não teria feito todas as coisas e as que ele não houvesse feito seriam obra de outro Deus.
É soberanamente justo e bom. A sabedoria providencial das leis divinas se revela nas mais mínimas coisas como nas maiores e essa sabedoria não permite se duvide nem da sua justiça, nem da sua bondade.
3. Deus é infinito em todas as suas perfeições.
Se supuséssemos imperfeito um só dos atributos de Deus, se lhe tirássemos a menor parcela de eternidade, de imutabilidade, de imaterialidade, de unidade, de onipotência, de justiça e de bondade, poderíamos imaginar um ser que possuísse o que lhe faltasse, e esse ser, mais perfeito do que ele, é que seria Deus.


 (Allan Kardec, Obras Póstumas, Primeira Parte.)

domingo, 13 de novembro de 2011

Alienação por Obsessão


Mente em desalinho, pensamento turbilhonado, o espírito encarnado que jaz nas malha soezes da obsessão pode ser comparado a aranha imprevidente encarcerada nos fios da
própria teia.
Vencido pela mente pertinaz que a persegue através de vinculações que remontam ao pretérito espiritual, a casa cerebral, visitada pela interferência do obsessor, se desarranja, dificultando ao espírito encarnado controlar os centros de que se utiliza na
investidura carnal.
A incidência da vontade subjugadora, em hipnose continuada e coercitiva sobre a vontade que se deixa subjugar, faculta o descontrole do centro de censura psíquica, que vela, nos tecidos sensíveis do perispírito, lembranças e acontecimentos passados, dando origem a interferência de fatos transcorridos com os sucessos em curso, gerando desequilíbrio e anarquia mental. Iniciando o processo de descontrole, o invasor faz que se reavivem os complexos de culpa e as recordações dos crimes que ficou impune,
surgindo, então, as síndromes das psicoses e neuroses, das alienações e desvarios de toda ordem.
Invariavelmente, os móveis das perseguições do além-túmulo são o ódio, a vingança, o ciúme e toda uma série de fatores negativos que unem algoz e vítima em vigorosos liames, começando, muitas vezes, a perseguição espiritual muito antes da concepção fetal, e continuando, não raro, - quando os processos do ódio são recíprocos, - após o decesso carnal da vítima que, infortunada, prossegue sofrendo ou, por sua vez, se transforma em algoz do seu antigo verdugo.
A obsessão é, por isso mesmo, enfermidade espiritual de anamnese muito difícil, apresentando um quadro clínico deveras complexo, em considerando serem as suas causas quase sempre ignor5adas por quantos interferem nas tarefas de socorro aos obsidiados, exigindo muito espírito de abnegação e renúncia, sacrifício e amor.
Sobretudo nos processos desobsessivos faz-se imprescindível não somente um “coração puro” mas também um caráter ilibado e uma mente esclarecida que hauriu, no Espiritismo, a terapêutica especializada para tarefas que tais.
Flagelo social de conseqüências imprevisíveis e de constituição sutil quão danosa, a obsessão campeia nos quadros da humanidade moderna engendrando lamentáveis processos de desajustamentos de vária ordem, de cujo resultado a Terra se converte num báratro desesperador.
Insidiosa, persistente, dominadora, a obsessão produz estados degenerativos nas sedes do perispírito que se encarregam de imprimir, nas células dos departamentos da mente quanto no corpo, os desvios da loucura e de enfermidade outras ainda não estruturadas devidamente pela Patologia, comprometendo seriamente, através do desgaste, o aparelho psíquico e a maquia somática do deambulante pela neblina carnal. (*)
(*) O pensamento, atuando no núcleo da células através do centro coronário, faz incidir, pelo concurso do centro cerebral que a seu turno envia a mensagem para os demais centros, as suas energias nos mitocôndrios dos citoplasmas, portadores de alto poder energético, como de oxidação, dando origem no metabolismo a construções positivas ou negativas, que, no fígado, graças a função de glândula mista, com o curso das enzimas, se transformam,
não poucas vezes, em descargas de bílis, provocando imediata eliminação quando de origem perniciosa
Razão porque, quase sempre, embora a Ciência Médica moderna não dê qualquer valor, os Benfeitores Espirituais prosseguem sugerindo o uso de colagogos e coleréticos, como auxiliares naquela função liberativa - Nota do Autor espiritual.
Espírito perseguidor a perfeita identificação com o Espírito perseguido em comércio mental de demorado curso, através da necessária sintonia vibratória em que o devedor
se ajusta ao cobrador sem que dele se afaste, por faltar ao segundo os recursos do resgate da dívida mediante o contingente do amor.
Marcado pela dívida o obsidiado é alguém atormentado em si mesmo.
Assinalado nos íntimos tecidos do subconsciente pelo crime pretérito, possui os fatores básicos para a obsessão, em forma de predisposição psíquica e conseqüente desarmonia emocional.
Ao primeiro impacto do pensamento obsessivo debate-se nas amarras da intranqüilidade e facilmente se deixa consumir pela perturbação que o assalta.
Assediado nas tendências inferiores que caracterizam a indisciplina do próprio espírito, o homem em processo obsessivo deixa-se engolfar pelo fascínio da emoção desregrada que o arrasta até a queda fatal nos abismos de sombra em que sucumbe na subjugação
violenta.
Quando isto ocorre, só mui dificilmente de poderá libertar, considerando-se mesmo que o retorno à esfera da consciência tranqüila se fará com as reminiscências dos horrores
das batalhas travadas em espírito com o impenitente perseguidor...
Jesus, o excelente protótipo de Filho de Deus, graças às condições inerentes ao seu Espírito Célico, pôde produzir nas mentes atormentadas dos perseguidores da Erraticidade, como nos departamentos mentais dos perseguidos da indumentária física,
o despertamento dos primeiros para as responsabilidades maiores da vida espiritual deles mesmos e dos segundos, facultando-lhes a ensancha da liberação das dívidas pela produção do bem de que podiam dispor graças à Sua intervenção sublime, poderosa...
Depois d'Ele, os Seus continuadores mais próximos, investidos de altos recursos de Espiritualidade, não poucas vezes intervieram nas paisagens lúgubres das mentes atribuladas pela constrição obsessiva, produzindo verdadeiros estados de paz e
liberando do vampirismo soez clientes e hóspedes portadores de obsessões e obsessores para que pudessem marchar em clima de harmonia pelas veredas da redenção...
No entanto, com o desenvolvimento tecnológico e a conseqüente escassez da moralidade nos dias atuais, avultam-se os quadros da patologia medianímica abrindo as verdadeiras chaves da sintonia perfeita para os "plugs" da interferência espiritual
negativa em cujas malhas se debate o homem do Século do Conhecimento, tão atormentado, no entanto, quanto os ancestrais das nefandas lutas do pretérito que o túmulo consumiu, e cuja memória lentamente se apaga nos anais da História...
...E a obsessão se multiplica em quadros que se renovam, em torvelinhos que são apresentados às pressas dentro dos novos departamentos que a vida cria e a que o homem se ajusta por imprevidência quanto por leviandade.
Examinemos alguns tópicos:
Obsessão da gula. - Não obstante o conhecimento generalizado a respeito das possibilidades orgânicas, no trabalho de preservação do corpo pelo processo alimentar, elaborando os recursos de manutenção das células, muitos homens se atiram famélicos e
atormentados sobre acepipes, caldos, gorduras e repastos, como se a mesa lhes significasse o único reduto da felicidade e de prazer, convertendo-se em veículo de vampirizadores desencarnados, odientos.
Obsessão alcoólica. - Desejando fugir aos tormentos que dizem respeito às paisagens lôbregas da mente inquieta, o obsidiado é inspirado a buscar os alcoólicos para refugiarse na obliteração da consciência em cujos painéis se encontram impressos os cenários
terríveis da alucinação em que se debate, aparvalhando-se, quando vencido pela embriagues decorrente de licores da vária procedência e transformando-se em mais fácil e demorada presa da subjugação (¹).
Obsessão dos alucinógenos. – Barbitúricos, opiáceos de elaboração complexa, alucinógenos ou depressivos em geral abrem as portas da loucura fácil aos trânsfugas do caminho da verdade, que se arrojam buscando as ilusões e a irrealidade para se entregarem inermes às mãos dos perseguidores desencarnados que os espreitam, logo se
desprendem parcialmente dos liames físicos, de momento afrouxados pelo torpor produzido nos centros do psicossoma...
Obsessão sexual. – Corrompendo-se as finalidades das fontes geratrizes da vida em meios indignos, de lasciva degeneração, o homem transforma o aparelho sexual em pântano de aberrante expressão de prazer, em que paulatinamente se afunda até imersão
total nas vascas de irreversível loucura que o domina e consome. Além das Entidades que o perturbam, vincula-se a outras, ociosas e malsãs, dos vários sítios a que recorre, complicando até além da vida física o processo obsessivo.
Obsessão da avareza. – Evocando pela consciência ultrajada crimes praticados na vida passada, o homem se aferra à posse, e, vencido pelo prazer onzenário de tudo reunir, acumula numa gaiola dourada todos os bens, deixando-se nela aprisionar mesmo depois
do fenômeno da morte, indefinidamente, perdendo a oportunidade de viver e de marchar na direção da Imortalidade.
Obsessão na saúde. – Espíritos atribulados em si mesmos engendram psicopatas de nomenclatura complexa, nas quais desgastam o veículo fisiológico a golpes de rebeldia,
de ira, criando estados de desorganização física e posteriormente psíquica, que se transformam mais tarde em enfermidade mui graves e ainda não definidas na Patologia Médica, que terminam por consumi-los, levando-os à desencarnação antecipada, na
condição de suicidas indiretos e inconseqüentes. Incluem-se entre esses os hipocondríacos, os psico-maníacos...
Auto-obsessão. – Nem todos os fenômenos obsessivos, entretanto, procedem da injunção proposital de um Espírito desencarnado sobre outro vestido pela roupagem fisiológica. Grande parte dos que se encontram entorpecidos pelos problemas de ordem
espiritual, psíquica ou física, padece de um processo de auto-obsessão dos mais lamentáveis, pois que nesse quadro o Espírito obsessor é o próprio obsidiado em reencarnação compulsória der resgate impositivo, que não consegue forcas para se
libertar facilmente das situações enfermiças, a fim de avançar nos rumos do equilíbrio, da necessária paz.
(¹) Oportunamente examinamos, no livro “Nos Bastidores da Obsessão”, os tópicos: tabagismo, alcoolofilia, sexualidade e estupefacientes. Nota do Autor
Espíritos despóticos ou viciados, precitos ou cruéis, ao se emboscarem na organização das células físicas, condicionam, através das próprias vibrações, enarmonias no metabolismo desta ou daquela natureza, do que decorrem desequilíbrios vários, gerando estados de perturbação íntima, engendrando distúrbios e nevroses que os fazem com tempo transformar-se em algozes ou em vítimas de si mesmos, conduzindo-se à desesperação do túmulo antecipado pelo suicídio direto ou indireto, vítimas de
alucinações momentâneas ou da loucura de grande porte...
Aí estão os esquizofrênicos, os cleptomaníacos, os neuróticos e psicóticos de múltipla variedade, refletindo as distonias do próprio espírito nos centros de comando da vontade, da razão, dos diversos órgãos...
Em todos esses quadros, a mediunidade tem uma função primacial, pois que, graças a ela, se estreitam as relações do espírito reencarnado com os demais Espíritos desencarnados que fixam, mediante hipnose cuidadosa e pertinaz, as idéias obsidientes
que a atual vítima lentamente se deixa absorver fascinada, permitindo-se dominas e consumir...
Todavia, excelente terapêutica espírita detém medicamentos valiosos de fácil utilização, merecendo que se recordem a técnica curadora do Cristo, bem como os métodos psicossomáticos, psiquiátricos, psicanalíticos da Ciência moderna, simultaneamente.
Em qualquer processo obsessivo, o enfermo será sempre convidado às operações de reajustamento e reequilíbrio próprio, por dele depender a regularização do débito párea com o seu cobrador espiritual.
Pequenos exercícios de disciplina da vontade, culto da prece, leituras edificantes, algum trabalho eficiente em favor de outrem, na fase inicial ou em qualquer período da perturbação, são antídotos que agem poderosamente a benefício dos atribulados do espírito.
No capítulo das obsessões todo auxílio de outrem significa aumento de responsabilidade para o beneficiado.
A obsessão é escolho que, a cada momento, ceifa alegrias e esperanças.
O Espiritismo, por ser doutrina do “homem integral”, torna-se fácil terapia para a felicidade e um verdadeiro glossário de bênçãos. É o mais eficiente tratado de que dispõe o homem para a erradicação total desse fantasma cruel, - a obsessão – já que
enseja uma vida ética em consonância com os preceitos evangélicos, em cuja prática a harmonia interior e o otimismo constituem fatores de equilíbrio sem limite, a irradiar-se
em todas as direções.
Oração. – Pelo processo do otimismo oracional, desgastam-se as construções mentais negativas, favorecendo a mente com idéias salutares que fomentam paisagens de luz e paz, nas quais o homem haure renovação e coragem, encontrando entusiasmo e alegria
para impregnar-se de equilíbrio e forças, já que sintoniza com as Esferas Superiores da Vida.
Passe. – O revigoramento orgânico, pelo processo da transmissão fluidoterápica de natureza espiritual ou magnética, consegue no metabolismo do obsidiado o mesmo resultado que o organismo físico logra, quando dosado recebe a dosagem do plasma ou
da simples transfusão de sangue. O passe estimula ou leucócitos e as hemácias que passam a trabalhar pela reorganização da vitalidade e a elaboração na medula óssea de novos contingentes para a manutenção e substituição paulatina dos implementos
celulares do organismo.
Água magnetizada. – Evocando a terapêutica utilizada pelo Cristo nas “Bodas de Caná”,
e, conhecedores das possibilidades de que a água é indicada para catalisar energias de várias ordens, a fluidificação ou magnetização da mesma é de relevante resultado, quando realizada pelo obsidiado, orando, ou por seus companheiros de socorro, pois que
dessa forma, ao se ingerida, o organismo absorve as quintessências que vão atuar no perispírito à semelhança do medicamento homeopático, estimulando os núcleos vitais
donde procedem os elementos para a elaboração das células físicas onde, em verdade, se estabelecem os pródromos da saúde como da enfermidade que sempre se originam no espírito liberado ou calceta.
Desobsessão. – Mediante e elucidação do Espírito perseguidor nas sublimes Escolas de Fé com que o Espiritismo Cristão enriquece a Terra através da interferência dos Espíritos Superiores e da técnica iluminativa dos doutrinadores junto àqueles que sofrem, abrem-se as comportas do entendimento, facultando-lhes compreender que todo perseguidor é um perseguido em si mesmo e que roda vítima traz consigo os processos auto-regenerativos impostos pela Lei, fazendo que eles, seus algozes, os entreguem à Sabedoria Divina que os não deixará impunes na sucessão intérmina do processo
educativo da Terra.
O esmo processo, o da doutrinação, é de relevância nos casos de auto-obsessão, pois o Espírito doente, seja encarnado ou desencarnado, é sempre alguém necessitado de esclarecimento e paz, do que resultará a sua auto-libertação.
Seja, todavia, qual seja o recurso utilizado no socorro ao padecente do flagelo obsessivo, somente o obsidiado pode oferecer o indispensável requisito para a própria
saúde: reforma íntima.
Sem a reforma interior, inócuos, negativos, sem produtividade redundam quase todos os processos socorristas, pois que nos temperamentos rebeldes e reacionários benefício algum pode produzir resultado valioso.
É por essa razão que examinando a problemática obsessiva, convém ressaltarmos ante obsessores ou diante de obsidiados é indispensável a inalienável, a valiosa colaboração
do próprio obsidiados no que diz respeito à transformação íntima de que se fazem testemunha os seus perseguidores desencarnados, que resolvem abandoná-los ou não graças ao esforço que desenvolvam na busca da paz ou mediante o contingente que ofereçam a benefício da regeneração daqueles a quem são devedores.
Cultive, pois, cada um que deseja a harmonia pessoal e a persistência relativa da saúde, a boa palavra, o amor, a piedade fraternal, o perdão indiscriminado, a conduta moral elevada; exercite-se nas tarefas da caridade, pelo pensamento, pela palavra e pela ação, pois como é verdade que podemos enganar o próximo no caminho em que nos encontramos, inutilmente tentaremos obliterar a própria consciência e ludibriar aqueles que nos seguem do passado em regime de comensalidade conosco, na atual conjuntura
reencarnatória...
O antídoto salutar, imediato, á obsessão é a vivência cristã e espírita através da conjugação dos verbos amar, servir e perdoar em todos os tempos e modos, em cuja execução o espírito endividado se libera dos compromissos negativos e ascende na direção do Planalto redentor da paz.
Tornado “carta viva” do Evangelho, ensina a imorredoura lição da fraternidade, após libertar-se da causa constringente da dor, pela sublime mensagem do amor de que se faz emissário em nome do Excelso Filho de Deus, Nosso Senhor Jesus Cristo.
Por fim, consideramos a necessidade de estudar o Espiritismo para conhecer as suas preciosas lições, e, banhando-se de otimismo e vigilância, precatar-se da obsessão, esse terrível invasor, cooperando para que na Terra se estabeleça o primado do Espírito, que formosa ante-manhã do Reino de Deus entre as criaturas (²).


MANOEL PHILOMENO DE MIRANDA
(Sementeira da Fraternidade)

domingo, 23 de outubro de 2011

A POSSESSÃO, SEGUNDO KARDEC


Fernando A. Moreira
“Importa que cada coisa venha a seu tempo. A verdade é como a luz; o homem precisa habituar-se a ela pouco a pouco, do contrário fica deslumbrado.
(Allan Kardec)
Há possessos? Existe a possibilidade de dois Espíritos coabitarem num mesmo corpo? O mergulho cronológico nas obras da Doutrina Espírita, nos leva ao seu berço, O Livro dos Espíritos: (1)
1857
Perg.473–Pode um Espírito tomar temporariamente o invólucro corporal de uma pessoa viva, isto é introduzir-se num corpo animado e obrar em lugar do outro que se acha encarnado nesse corpo?
O Espírito não entra em um corpo como entrais numa casa. Identifica-se com um Espírito encarnado, cujos defeitos e qualidades sejam os mesmos que os seus, a fim de obrar conjuntamente com ele. Mas, o encarnado é sempre quem atua, conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido. Um Espírito não pode substituir-se ao que está encarnado, por isso que este terá que permanecer ligado ao seu corpo até ao termo fixado para sua existência material.

Kardec, retira suas conclusões, prepara e formula a pergunta seguinte, e os Espíritos respondem: (1)

Perg. 474_ Desde que não há possessão propriamente dita, isto é coabitação de dois Espíritos no mesmo corpo, pode a alma ficar na dependência de outro Espírito, de modo a se achar subjugada ou obsidiada ao ponto de sua vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada ?
Sem dúvida e são esses os verdadeiros possessos. Mas é preciso saibais que essa denominação não se efetua nunca sem que aquele que sofre o consinta, que por sua fraqueza, quer por deseja-la. Muitos epilépticos ou loucos, que mais necessitam de médico que de exorcismos, têm sido tomados por possessos.

Os Espíritos aí, fazem uma nítida distinção entre os verdadeiros e os falsos possessos.

Os verdadeiros são os subjugados até ao ponto de sua vontade vir a achar-se, de certa maneira, paralisada; os falsos são os que não correspondem aos casos de obsessão, necessitando tratamento médico.

Comenta ainda Kardec, após a resposta dos Espíritos:

O termo possesso só se deve admitir como exprimindo a dependência absoluta em que uma alma pode achar-se a Espíritos imperfeitos que a subjuguem.
1858
Se havia alguma dúvida sobre a opinião do Codificador até aquele momento, ele a desfaz no texto da Revista Espírita, por ele dirigida: (2)

Antigamente dava-se o nome de possessão ao império exercido pelos maus Espíritos, quando sua influência ia até a aberração das faculdades. Mas a ignorância e os preconceitos, muitas vezes, tomaram como possessão, aquilo que não passava de um estado patológico. Para nós, a possessão seria sinônimo de subjugação. Não adotamos esse termo (...) porque ele implica igualmente a idéia de tomada de posse do corpo pelo Espírito estranho, uma espécie de coabitação ao passo que existe apenas uma ligação. O vocábulo subjugação da uma idéia perfeita. Assim, para nós, não há possessos, no sentido vulgar da palavra; há simplesmente obsedados, subjugados e fascinados.

Fica bastante claro que, para ele, até aqui, não existia possessão.
1861
O texto acima é parecido com o exarado no O Livro dos Médiuns(3), com uma diferença significativa no parágrafo, qual seja, a troca da palavra “ligação”, por “constrangimento”.

1862
Momentaneamente, temos a impressão de que estariam respondidas, as indagações formuladas na inicial, mas, apesar dessas considerações, o termo possessão reaparece na Revista Espírita: (4)

Ninguém ignora que quando o Cristo, nosso muito amado mestre, encarnou-se na Judéia, sob os traços do carpinteiro Jesus, aquela região havia sido invadida por legiões de maus Espíritos que, pela possessão, como hoje, se apoderavam das classes sociais mais ignorantes, dos Espíritos encarnados mais fracos e menos adiantados (...) é preciso lembrar que os cientistas, os médicos do século de Augusto, trataram, conforme os processos hipocráticos, os infelizes possessos da Palestina e que toda sua ciência esbarrou ante esse poder desconhecido. (Erasto)

Na mesma revista e no mesmo ano, (5) Kardec, nos “Estudos sobre os Possessos de Morzine”, acrescenta a seguinte consideração:

O paroxismo da subjugação é geralmente chamado de possessão.
1863
A retomada do termo, tinha uma razão, e Kardec é bem incisivo na sua opinião na Revista Espírita, sobre os mesmos Possessos de Morzine, que certamente o impressionaram e influíram na mudança de sua conceituação sobre possessão, e valeram doze citações no índice remissivo da Revista Espírita ( 1862, 63, 64, 65 e 68), além de outros estudos, na mesma revista, como, por exemplo, quando analisa “Um Caso de Possessão”. (6) (7) Senão vejamos:

Temos dito que não havia possessos, no sentido vulgar do vocábulo, mas subjugados. Voltamos a esta asserção absoluta, porque agora nos é demostrado, que pode haver verdadeira possessão, isto é, substituição, posto que parcial, de um Espírito errante a um encarnado.(...) Não vendo senão o efeito, e não remontando à causa, eis porque todos os obsedados, subjugados e possessos passam por loucos (...). Eis um primeiro fato, que o prova, e apresenta o fenômeno em toda a sua simplicidade.(...)

(O Sr. Charles) Declarou que, querendo conversar com seu velho amigo, aproveitava o momento em que o Espírito da Sra. A..., a sonâmbula, estava afastado do corpo, para tomar-lhe o lugar. (....). Eis algumas de suas respostas.

- Já que tomastes posse do corpo da Sra.A... poderieis nele ficar ?
- Não; mas vontade não me falta.

- Por que não podeis ?
- Porque seu Espírito está sempre ligado ao seu corpo. Ah! Se eu pudesse romper esse laço eu pregaria uma peça.

- Que faz durante este tempo o Espírito da Sra. A....
- Está aqui ao meu lado; olha-me e ri, vendo-me em suas vestes.

O Sr. Charles(...) era pouco adiantado como Espírito, mas naturalmente bom e benevolente. Apoderando-se do corpo da Sra. A... não tinha qualquer intenção má; assim aquela Sra. nada sofria com a situação, a que se prestava de boa vontade.

Aqui a possessão é evidente e ressalta ainda melhor dos detalhes, que seria longo enumerar. Mas é uma possessão inocente e sem inconvenientes.

Na mesma página, no entanto, Kardec descreve um caso de possessão da Sra. Júlia, agora dirigida por um Espírito malévolo e mal intencionado.

Há cerca de seis meses tornou-se presa de crises de um caráter estranho, que sempre corriam no estado sonambúlico, que, de certo modo, se tornara seu estado normal. Torcia-se, rolava pelo chão, como se se debatesse, em luta com alguém que a quisesse estrangular e, com efeito, apresentava todos os sintomas de estrangulamento.

Acabava vencendo esse ser fantástico, tomava-o pelos cabelos, derrubava-o a supapos, com injúrias e imprecacões, apostrofando-o incessantemente com o nome de Fredegunda, infame regente, rainha impúdica, criatura vil e manchada por todos os crimes, etc. Pisoteava como se acalcasse aos pés com raiva, arrancando-lhe as vestes. Coisa bizarra, tomando-se ela própria por Fredegunda, dando em si própria redobrados golpes nos braços, no peito, no rosto, dizendo: “Toma! Toma! É bastante, infame Fredegunda? Queres me sufocar, mas não o conseguirás; queres meter-se em minha caixa, mas eu te expulsarei.” Minha caixa era o termo que se servia para designar o próprio corpo.(...)

Um dia para livrar-se de sua adversária, tomou de uma faca e vibrou contra si mesma, mas foi socorrida a tempo de evitar-se um acidente.

Vemos aí, a luta de dois Espíritos pelo mesmo corpo.

Este Espírito, Fredegunda, foi posteriormente evocado em sessões mediúnicas e convertido ao bem. (8)

Mas, voltando aos Possessos de Morzine, (9) diz Kardec referindo-se ao perispírito:

Pela natureza fluídica e expansiva do perispírito, o Espírito atinge o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza.(...) Como se vê, isto é inteiramente independente da faculdade mediúnica (...)

Estes últimos, sobretudo (os possessos do tempo de Cristo), apresentam notável analogia com os de Morzine.

Na mesma revista e no mesmo ano, selecionamos e pinçamos, para dimensionarmos a extensão daquela possessão coletiva: (10)

Os primeiros casos da epidemia de Morzine se declararam em março de 1857(...) e em 1861 atingiram o máximo de 120. (...)

(...) o caráter dominante destes momentos terríveis é o ódio a Deus e a tudo quanto a ele se refere.
1864
Ainda sobre a possessão da Sra. Júlia(12), refere-se Kardec na Rev. Espírita, (11):

No artigo anterior (1863) descrevemos a triste situação dessa moça e as circunstâncias que provavam uma verdadeira possessão.

O grau de intensidade das possessões e sua reatividade a tentativa de exorcização, vai bem descrita na Revista Espírita: (12)

“Desde que o bispo pisou em terras de Morzine”, diz uma testemunha ocular, “sentindo que ele se aproximava, os possessos foram tomados de convulsões as mais violentas; e, (...) soltavam gritos e urros, que nada tinham de humano. (...)

As possessas, cerca de setenta, com um único rapaz, juravam, rugiam, saltavam em todos os sentidos. (...) A última resistiu a todos os esforços; vencido de fadiga e de emoção, ele (o bispo) teve que renunciar a lhe impor as mãos; saiu da igreja trêmulo, desequilibrado, as pernas cheias de contusões recebidas das possessas, enquanto estas se agitavam sob suas benções.” (...)

Encontramos no “Evangelho, Segundo o Espiritismo,(13) a seguinte referência sobre possessão e reforma íntima:

(...) para isenta-lo da obsessão, é preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsidiado trabalhe pela sua própria melhoria, o que as mais das vezes basta para se livrar do obsessor, sem recorrer a terceiros. O auxílio destes se faz indispensável, quando
a obsessão degenera em subjugação e em possessão, porque aí não raro o paciente perde a vontade e o livre arbítrio.

No mesmo livro, (14), há considerações sobre as causas da possessão:

O Espírito mau, espera que o outro, a quem ele quer mal, esteja preso ao seu corpo e assim, menos livre, para mais facilmente o atormentar, ferir nos seus interesses, ou nas suas mais caras afeições.

Nesse fato reside a causa da maioria dos casos de obsessão, sobretudo dos que apresentam certa gravidade, quais os de subjugação e possessão.
1867
Ainda na Revista Espírita, (15) encontramos informações de como é esta perda do livre arbítrio e como impedi-la:

Objetar-me-eis, talvez, que nos casos de obsessão, de possessão, o aniquilamento do livre arbítrio parece ser completo. Haveria muito a dizer sobre esta questão porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado, como foi possível constatar em muitas ocasiões.(...)

Procedeis em relação aos Espíritos obsessores ou inferiores que desejais moralizar (...)algumas vezes conscientemente, quando estabeleceis, em torno deles uma toalha fluídica, que eles não podem penetrar sem vossa permissão, e agis sobre eles pela força moral, que não é outra coisa senão uma ação magnética quintessenciada.
1868
Na “A Gênese”, (16) Kardec disserta sobre domicílio Espiritual, típico caso de coabitação, ou como agora quer Hermínio Miranda, “condomínio espiritual, com síndico e convenção.”

Na possessão, em vez de agir exteriormente, o Espírito atuante se substitui, por assim dizer, ao Espírito encarnado, tomando-lhe o corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono, pois que isso só se pode dar pela morte. A possessão, conseguintemente, é sempre temporária e intermitente, porque um Espírito desencarnado não pode tomar definitivamente o lugar de um encarnado, pela razão que a união molecular do perispírito e do corpo só se pode operar no momento da concepção.

De posse momentânea do corpo do encarnado, o Espírito serve-se dele como se seu próprio fora: fala pela sua boca, vê pelos seus olhos, opera com seus braços conforme o faria se estivesse vivo. Não é como na mediunidade falante, em que o Espírito encarnado fala transmitindo pensamento de um desencarnado; no caso da possessão é mesmo o último que fala e obra (...)

Na obsessão há sempre um Espírito malfeitor. Na possessão pode tratar-se de um Espírito bom que queira falar e que, para causar maior impressão nos ouvintes, toma do corpo de um encarnado, que voluntariamente lho empresta, como emprestaria seu fato a outro encarnado.

Quando é mau o Espírito possessor, (...) ele não toma moderadamente o corpo do encarnado, arrebata-o (...)

Seguindo ainda, no mesmo livro:

Parece que ao tempo de Jesus, eram em grande número, na Judéia, os obsidiados e os possessos (...) Sem dúvida, os Espíritos maus haviam invadido aquele país e causado uma epidemia de possessões. (17)

Com as curas, as libertações do possessos figuram entre os mais numerosos atos de Jesus.(...) “Se eu expulso os demônios pelo Espírito de Deus, é que o reino de Deus veio até vós.” (S. Mateus, cap. XII, 22 e 23) (18)

Deduzimos com base no exposto que, para que exista possessão, é preciso que o Espírito obsessor identifique-se com o Espírito encarnado; aquele, atinge o indivíduo sobre o qual quer agir, rodeia-o, envolve-o, penetra-o e o magnetiza; o aniquilamento do livre arbítrio, parece ser completo, porque a ação aniquiladora se faz mais sobre as forças vitais materiais do que sobre o Espírito, que pode achar-se paralisado, dominado e impotente para resistir, mas cujo pensamento jamais é aniquilado, pois o encarnado é que atua conforme quer, sobre a matéria de que se acha revestido e portanto aquela dominação não se efetua nunca sem que aquele que a sofre o consinta, quer por sua fraqueza, quer por deseja-la; em vez de agir exteriormente ao Espírito encarnado, toma-lhe o corpo por domicílio, sem que este, no entanto, seja abandonado por seu dono, pois isso só se pode dar pela morte, por isso, a possessão é sempre momentânea, temporária e intermitente. Para se libertar da possessão, é preciso fortificar a alma, pelo que necessário se torna que o obsediado trabalhe para sua própria melhoria, estabelecendo em torno de si, uma toalha fluídica, que eles não possam penetrar sem sua permissão, agindo sobre eles pela força moral, por uma ação magnética quintessenciada. Na possessão isto só é possível, com a ajuda indispensável de terceiros.

Portanto, respondendo às indagações iniciais deste trabalho, podemos dizer que Kardec, analisou todas as facetas e prismas da possessão e concluiu que; existe possessão e também coabitação.

Uma obra, como a da Codificação Espírita, é indivisível e portanto deve ser analisada como um todo, jamais devendo ser fragmentada ou dividida, na análise de seu conteúdo; existem vários temas, nas obras básicas (O Livro dos Espíritos, O Livro dos Médiuns, O Evangelho Segundo O Espiritismo, A Gênese, O Céu e o Inferno) e na Revista Espírita, em que as verdades foram estudadas à luz dos conhecimentos adquiridos no dia a dia e suas opiniões, às vezes alteradas, sem que correspondessem a uma mudança de idéia, mas sim, a uma evolução de verdade em verdade, degrau a degrau na escada ascensional do conhecimento, como convém a um cientista sábio, astuto, inteligente, honesto e antes de tudo, humilde, coisa rara, aliás.

A fé raciocinada sobre a égide desta humildade, aconselhada e praticada pelo mestre lionês, levou-o na busca incessante da verdade, que sempre caracterizou suas ações, a correta elucidação conceptual de possessão, incitando-nos também a libertarmo-nos de duas outras; a dos dogmas e a do fanatismo.

Tenhamos igual têmpera e nos deixemos contaminar pela sua lição e pelo seu exemplo; a lição inclina, o exemplo arrasta.


BIBLIOGRAFIA
(1) KARDEC, Allan . O Livro dos Espíritos, ed. FEB, 1987, perg. 473, pg. 250.
(2) Revista Espírita , 1858, pg. 278.
(3) KARDEC, Allan . O Livro dos Médiuns, ed. FEB, 1982 , item 240, pg. 300.
(4) Revista Espírita, 1862, pg. 109.
(5) Idem , 1862, pg. 359
(6) Idem , 1863, pg. 373.
(7) KARDEC, Allan . Obsessão, ed. “O Clarim”, 1993, pg. 225.
(8) Idem , pg. 229.
(9) Revista Espírita, 1863 pg. 01.
(10) Idem, 1863, pg. 103.
(11) Idem, 1864, pg. 11.
(12) Idem, 1864, pg.225.
(13) KARDEC, Allan . O Evangelho Segundo o Espiritismo, ed. FEB, 1995, pg. 432.
(14) Idem, pg. 171.
(15) Revista Espírita, 1867, pg. 192.
(16) KARDEC, Allan . A Gênese, ed. FEB, 1980, pg. 306.
(17) Idem, pg. 330.
(18) Idem, pg. 329.


Texto public RIE set/01
Publicado nesta HP: com a autorização do autor.